Em Caná da Galileia...


Gastar-se até ao fim

Uma das mais bonitas virtudes do cristão, como nos diz hoje S. Paulo na primeira leitura da missa, é a generosidade. Não há Famílias de Caná sem grandes doses desta virtude. Queremos ser, como diz a nossa Carta Fundacional, “famílias-cântaro”, capazes de levar o Vinho Novo de Jesus a todos os que nos rodeiam. Queremos gastarmo-nos a servir, como S. Paulo se gastou:

De muito boa vontade gastarei, e me gastarei a mim mesmo, pelas vossas almas. (2Cor 12, 15)

Fico feliz quando as Famílias de Caná me falam da sua generosidade. Todas as famílias que já fizeram o seu compromisso vivem formas muito concretas de generosidade nos mais variados serviços. Para além da generosidade na sua abertura à vida, acolhendo os filhos como o maior dom,  algumas são catequistas, outras preparam os casais para o matrimónio ou para o batismo dos filhos, outras – e muitas vezes, as mesmas – dão algum do seu tempo mensal para servir alimentos aos sem-abrigo, ou oferecem horas de voluntariado em lares de terceira idade, ou abrem as suas portas a crianças necessitadas de um colo e um lar. Perante uma tragédia como a que atravessou o nosso país, há Famílias de Caná a perguntar – e como gostaria que fossem todas: o que podemos nós fazer por quem perdeu tudo, especialmente por quem perdeu a sua família?

Gosto da palavra “gastar-se”. Faz-me lembrar as velas que ardem no nosso Canto de Oração Familiar, e que ardem até ao fim, sem se pouparem. “Já se gastou aquela vela, mãe”, dizem os meninos, enquanto correm para a gaveta para buscar uma nova. “Já se gastou”. Para que serve a vida, se não for para ser gasta? E gasta até não haver mais nada para gastar?

Diante das imagens infernais que a televisão nos traz, há ainda uma forma de desgaste que eu gostaria de ver acontecer em todas as casas das Famílias de Caná. Chamo-lhe “o desgaste dos joelhos”. Sim, não basta sentir compaixão e chorar. É preciso ainda ajoelhar e rezar. Rezar de joelhos, rezar com jejum, rezar com sacrifício, rezar com dor.

Quando Deus nos oferece uma visão de terror, é para que rezemos e nos sacrifiquemos. Não foi isso que aconteceu com os Pastorinhos de Fátima? Para os incitar à oração de intercessão pelos pecadores, Nossa Senhora mostrou-lhes o inferno, em imagens semelhantes às que os televisores nos trouxeram do Pedrógão Grande. Pelas suas orações aliadas a grandes sacrifícios, os Pastorinhos atraíram a paz para Portugal.

Quando, de um momento para o outro, a estrada da nossa vida for cortada, Deus pedir-nos-á contas não apenas da nossa ação, mas também da nossa oração de intercessão, porque também se ama pela oração, e de que maneira! Penso muitas vezes no texto do Juízo Final, e imagino Jesus a julgar-me pelo amor, perguntando também pela minha oração: “Mostrei-te as imagens aterradoras do incêndio no teu próprio país, e tu nem uma oração fizeste…”

“Hoje quando ouvi os trovões, rezei o terço todo, mãe”, contou-me a Lúcia. “E eu fui à Gruta de Nossa Senhora no recreio, rezar com o meu amigo”, acrescentou o António.

Que o telejornal nos desafie sempre à ação possível – e podemos sempre mais do que pensamos -, à oração e ao sacrifício.

Que as Famílias de Caná não tenham medo de gastar o seu tempo, o seu dinheiro, o seu espaço, os seus dons, os seus joelhos. E que não tenham medo de se gastar até ao fim, como velas acesas diante do altar do Senhor. Ámen!

2 Comments

  1. Que Deus acolha os que partiram com toda a sua infinita Misericórdia e que envie o Espírito Santo e renove a Terra, tal como rezamos no Terço do Espírito Santo…
    É tempo de melhorar a nossa envolvência, no sentido pleno que a ecologia preconiza, e fazer justiça ao envio do Senhor, que nos deu a Terra…
    E o mais engraçado é que a paisagem fica tão mais bonita quando está equilibrada… neste frenesim em torno do turismo, era tempo de optimizar o que a natureza nos ofece!!! Partilha e sacríficio… na construção de um país mais equlibrado.
    Enviai Senhor o Vosso Espírito e renovai a Terra.

  2. Olívia Batista

    Quando nos apercebemos do que tinha acontecido, mesmo sabendo que é pouco, rezar muito foi a primeira coisa que me ocorreu. Falámos sobre isso sensibilizando também as meninas para o oferecimento do dia por esta intenção.
    Mas continua sempre a parecer pouco.
    Que o nosso pouco seja pelo bem de alguém, que todos os “poucos” se tornem “muito” na vida daqueles que se encontram no maior dos sofrimentos…

Responder a Rita Teles Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *