“E se fizéssemos um jantar bíblico?” Há muito tempo que a ideia andava a germinar aqui em casa. A Clarinha, em particular, estava desejosa de usar os seus dotes culinários na preparação de um jantar assim. Queríamos um jantar segundo a tradição hebraica, sentados no chão à boa moda judia, com alguns dos muitos alimentos mencionados na Bíblia, da “água viva” ao “mel dos rochedos”, das maçãs do Cântico dos Cânticos ao cordeiro pascal, do pão ázimo às ervas amargas, do azeite e das azeitonas aos figos secos. E queríamos, também, alimentarmo-nos da Palavra, porque Jesus ensina-nos que “nem só de pão vive o homem”.
Inicialmente, o nosso jantar estava previsto para a Semana Santa. Mas como a partir do sábado antes dos Ramos iremos ter inúmeras atividades paroquiais, decidimos antecipar. E o grandioso jantar aconteceu no domingo passado!
À boa maneira Power, uma vez instalada a ideia, todos deram o seu melhor para a concretizar. Uma das inúmeras vantagens de se terem filhos crescidos é esta: geralmente, basta-nos propor – às vezes nem isso é preciso, como neste caso, em que a proposta foi da Clarinha – que tudo acontece sem nós!
Durante todo o domingo, e depois da missa, a Clarinha trabalhou na cozinha, acompanhada de vez em quando pela Sara e pelo António:



E em cada recanto da casa havia um menino de Bíblia na mão, à procura de um texto bíblico relacionado com alimento. Os mais velhos ajudavam os mais novos e houve quem quisesse fazer as coisas a rigor, passando o seu texto para um papel, colando o papel numa cartolina e enfeitando tudo… A Palavra de Deus merece os nossos esforços, pois então!



Perto da hora de jantar, alguns dos meninos fecharam-se na sala e nós ficámos proibidos de lá entrar. Iam preparar o espaço à boa maneira judaica – e à boa maneira Power, claro está 🙂
Finalmente, chegou a hora. A cantar “Escuta, Israel”, uma melodia hebraica de que muito gostamos, entrámos na sala iluminada por dezenas de velinhas…


Sentámo-nos no chão sobre mantas. No meio, em caçarolas de barro, a carne, as ervas amargas, os pães ázimos, uma tarte de maçã, azeitonas. Estava tudo tão bonito! “Hoje é mesmo para comer com as mãos”, explicou a Clarinha, piscando o olho aos irmãos mais novos. “Aproveitem, que ninguém vos ralha!”








Estavam todos impacientes por apresentar o seu trabalho bíblico, mas o Niall disse que ele seria o primeiro. Assim, logo no início da refeição, o Niall foi buscar uma enorme taça de morangos com chocolate e colocou-a no meio da mesa. Depois, de pé e com gestos eloquentes, leu:
Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas o da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, morrerás. (Gn 2, 16-17)
“Como??? Não podemos comer estes morangos com chocolate? E vamos ficar a olhar para eles?”
“Podem comer de tudo o resto! Porque é que ficam só a olhar para os morangos?” Perguntou o Niall em jeito de provocação, rindo para si.
“Por favor, deixa-nos comer! Por favor!”
Os meninos suplicavam e a Sara choramingou, mas o Niall foi categórico (embora os mais velhos o vissem talvez a piscar o olho…)
“Agora já entendo a tentação de Eva e de Adão! Nunca mais os critico. Não deve ter sido nada fácil!”
“Pois, a partir do momento em que souberam que não podiam comer daquele fruto, deixou de lhes apetecer qualquer outro…”


Depois foi a vez do António. Com a sua arte de acólito, o António preparou um cálice, um pão ázimo e uma série de guardanapos que dobrou e desdobrou como se estivesse a preparar o altar durante a Eucaristia. Lindo! Entretanto, o António pediu ao David que lesse o texto que escrevera numa bonita folha de papel decorada: 1Cor 11, 23-26, a descrição que Paulo faz da Última Ceia.



O David brindou-nos com a multiplicação dos pães e dos peixes, eu li a passagem do Génesis em que Deus, condescendente, nos oferece já não só as plantas em alimento, mas também os animais (Gn 9, 1-3)
A Lúcia e a Sara ofereceram-nos passagens do Livro do Eclesiástico, onde encontraram referência aos frutos doces da Sabedoria, a vinhas floridas, a pomares saborosos. E a Lúcia concluiu que as passagens se tinham de referir a Nossa Senhora, pois quem senão ela nos dá “o fruto do seu ventre”, mais doce e saboroso que qualquer outro fruto? Temos aqui uma pequena exegeta, estou a ver!


Por fim, e perante as lágrimas prontas da Sara, que não parava de olhar para os morangos, o Francisco salvou a noite, lendo o texto que escolhera com uma “ligeira” adaptação. O resultado foi este:
Vai, como os teus morangos com alegria e bebe com prazer o teu sumo, porque a Deus agradam as tuas obras. (Ecl 9, 7)
“Diz mesmo aí morangos? Uau!” Exclamou a Sara, enquanto todos rebentavam a rir. Não, não dizia lá morangos, mas pão, e não dizia sumo, mas vinho… Enfim, a permissão estava dada. E a sobremesa foi divina 🙂
A refeição chegou ao fim. A ninguém apetecia levantar… Decidimos então não nos levantarmos, e rezarmos de seguida o nosso Terço, pois as velinhas brilhavam em toda a sala e o canto de oração estava belissimamente iluminado…

A Lúcia, a Sara e o António acharam que tinham tido demasiado trabalho com os seus cartazes para ser lido em apenas dois minutos, pelo que decidimos eternizá-lo, fixando-os na parede da cozinha. Afinal, falam de alimento, e alimento bíblico, não é verdade? A nossa cozinha ficou mais… santificada. Ora vejam:

E aí em casa? Na semana que se aproxima, ou nos dias pascais, porque não um jantar bíblico em família? Atrevam-se! A beleza da nossa Igreja Doméstica é este inventar e reinventar de “tradições familiares”, como expliquei longamente no ensinamento no retiro quaresmal, que podem ver aqui. E também procurei transmitir a importância de ler e trabalhar a Bíblia em família, aqui. Juntem as duas coisas e façam um jantar bíblico!
Depois contem-nos como foi e publicaremos o vosso Testemunho!
Que ideia tão gira! O que se aprende com um jantar 🙂
Bjs!