Em Caná da Galileia...


Não tenhas medo!

“Meninos, calcem as sandálias e preparem as bicicletas!”

O jantar acabara, e os mais novos já brincavam no jardim.

“Onde vamos?”

“Vamos dar um passeio e fazer a nossa oração familiar nos campos!”

Animação geral. Todos adoramos ir rezar aos campos que ficam no fim da nossa rua, logo depois da curva da estrada. Alguns minutos mais tarde, paramos diante de um campo onde algumas ovelhas pastam e conversam na sua linguagem simpática. A brisa suave acompanha os nossos cânticos, e o balir das ovelhas é o fundo musical da nossa leitura orante da Palavra. De repente, o ladrar de um cão pastor assusta a Lúcia, que cheia de medo, se agarra ao pai. É assim abraçada que escuta, por fim, o Evangelho:

Envio-vos como ovelhas para o meio dos lobos… (Mt 10, 16)

Gargalhada geral: “Imagina, Lúcia, que és uma ovelhinha que Jesus envia para junto daquele cãozarrão!”

“Sim, ele parece um lobo!”

“Vêem, meninos, como Jesus contava as suas histórias? Pegava nos acontecimentos naturais da vida dos homens do seu tempo, e daí tirava lições.”

A Lúcia treme, agora perante a ideia de ser atirada assim para o meio dos lobos. Continuo a ler o Evangelho, todo ele sobre a maldade do mundo, qual lobo voraz, e a bondade das ovelhas do rebanho do Senhor. Depois, ali mesmo, conversamos sobre o medo.

Porque não é só a Lúcia que tem medos, não senhor! Todos nós, concluímos, temos medo de alguma coisa. Medo que precisamos de vencer com a ajuda de Jesus, o nosso Bom Pastor, que nunca nos abandona.

Mas mais grave que o medo dos cães, o medo das alturas, o medo da picada das abelhas, o medo do mar, o medo do fogo – é o medo da vida. E quanta gente eu vejo com medo de viver!

“Não corras, que podes cair!” “Aí não brinques, que é muito perigoso!” Não, não são comentários de pais que vêem os filhos brincar à beira de uma falésia sobre o mar: são pais que, nervosos, observam os filhos dentro de um parque infantil, daqueles com chão especial para amparar as quedas.

Passeando pelas ruas da minha aldeia, vejo portas e janelas fechadas, blindadas com cães barulhentos. Onde estão as crianças? As poucas que estão, estão bem guardadas do lado de dentro das casas, naturalmente. Mas uma rua sem crianças a brincar é uma rua triste.

“Os tempos são outros, a vida é diferente”, dizemos e ouvimos dizer continuamente, para justificar tanto medo. É verdade que os tempos são outros, sim: nunca foram tão seguros como agora! Temos capacetes para bicicletas infantis, temos bancos elevatórios para os carros, temos telemóveis e câmaras de vigilância, as crianças aprendem na escola todo o tipo de normas de segurança no contacto com desconhecidos, os pais estão alerta para identificar comportamentos que indiciem perigo nos seus filhos, podemos caminhar a pé de uma terra para outra sem sermos atacados por um bando de salteadores ou por um grupo de animais selvagens, e graças à vacinação e a todos os cuidados médicos, dificilmente contraímos doenças por brincarmos na rua. Sejamos prudentes, sim, mas não medrosos.

Medo: eis um dos maiores inimigos da nossa era. Medo de viver. Medo de se comprometer. Medo de casar. Medo de ter filhos. Medo do trabalho que eles possam dar. Medo de mudar. Medo de abrir a porta aos desconhecidos. Medo de acolher os estranhos. Medo das más companhias. Medo de dar a cara. Medo de arriscar. Medo de empobrecer. Medo de adoecer. Medo de morrer.

Se abrirmos o Evangelho por estes dias, Jesus continua a falar-nos do medo e da confiança:

Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode fazer perecer na Geena o corpo e a alma. Não se vendem dois passarinhos por uma pequena moeda? E nem um só deles cairá por terra sem o consentimento do vosso Pai! Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados! Não temais, pois valeis muito mais do que os pássaros. (Mt 10, 28-31)

Cá em casa, vamos trabalhando os pequenos medos infantis com muita paciência, oferecendo dia a dia aos filhos oportunidades para os irem vencendo.

E se todos nós, adultos, fizermos o mesmo? Se abrirmos hoje mesmo, de par em par, as portas e as janelas da nossa vida, para que a Luz possa entrar e iluminar os recantos mais escuros? Se nos lançarmos nos braços amorosos do Pai e, aconchegados a Ele, escutarmos a sua Palavra? Se decidirmos viver e ensinar a viver, sem medo?…

2 Comments

  1. Inspirada, como sempre!
    Confesso-me tantas vezes refém destes e de outros tantos medos… e peço perdão ao Senhor por lhe ser tão pouco fiel!
    Quantas e quantas vezes Ele nos disse, “não tenhais medo”… perdão Senhor pela falta de confiança!

  2. Catarina Silva

    Identifico-me completamente com estas palavras….como queria tanto ter uma confiança inabalável…não tenho.
    No entanto a tomada de consciência dessa realidade já é um pequenino passo…mas muitas e muitas vezes esta duvida persiste: ” será este meu gesto de confiança ou de irresponsabilidade?”

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