Em Caná da Galileia...


Feliz Natal!

Última reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

FELIZ NATAL!

“Hoje nasceu o nosso salvador, Jesus Cristo, Senhor.” É Natal!

“O povo que andava nas trevas viu uma grande luz”, profetiza Isaías, oito séculos antes do Natal, estendendo o olhar para lá do exílio babilónico, para lá de qualquer exílio, de qualquer guerra, de qualquer crise, de qualquer pandemia. “Para aqueles que habitavam nas sombras da morte, uma luz começou a brilhar.” É, por isso, a meio da noite que celebramos o Natal, essa explosão de luz tão grandiosa, que dividiu a História em duas: a.C. e d.C.

“Naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto, para ser recenseada toda a terra.” Quem diria que até o imperador teria a sua parte a cumprir, para que fosse Natal? Deus gosta de escrever direito pelas linhas tortas da História mundial, ontem como hoje. Não tenhamos medo!

“José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de David…” As vésperas do parto não são o tempo ideal para mudar de casa. Maria terá de dar à luz longe da família, sem a segurança das mãos experientes da parteira da sua aldeia, nem o colo carinhoso da sua própria mãe. Porque tinha de ser tudo tão difícil?

Faz-me lembrar um episódio da vida de Santa Teresa d’Ávila, em que Teresa desabafa com Jesus sobre as dificuldades do dia. “Sabes, Teresa, é assim que Eu trato os meus amigos”, diz-lhe Jesus, com o bom-humor de Deus. E é também com o bom-humor dos santos que Teresa responde: “Não admira que tenhas tão poucos!” Maria de Nazaré experimentou a angústia natural da parturiente, e a sua oração terá sido um grito de súplica ao Deus que a chamara a ser mãe. Mas de certeza que não perdeu a paz. Maria confiava em absoluto em Deus, e confiava também em José. Gosto de a imaginar a rir, bem-humorada, encorajando José, nunca recorrendo à crítica agressiva que infelizmente tantas mulheres usam no seu diálogo conjugal. Apesar das dificuldades, Maria e José eram felizes, como todos os casais que se amam com Deus no meio. “Multiplicastes a sua alegria, aumentastes o seu contentamento.”

“Chegou o dia de ela dar à luz”. Mas “não havia lugar para eles na hospedaria.” Hoje continua a não haver lugar para eles. Temos as casas atulhadas de coisas, as vidas atulhadas de atividades, os relacionamentos atulhados de complicações. E não há lugar para eles. Vasculhemos bem! Desarrumemos a nossa casa interior e procuremos nela, pelo menos, um quartinho de fundos…

O Menino nasceu. Maria “envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura,” esse lugar humilde aonde os animais vão buscar o alimento diário. Excitadíssimos, os meus filhos atropelam-se para abrir os presentes. Mas antes, é preciso desembrulhar com jeitinho a imagem do Menino e deitá-la nas palhinhas. É um gesto solene, e a honra cabe ao mais novo, de apenas dois anos. Contemos a respiração, não vá o Menino, entregue a mãos tão desajeitadas, cair e partir o outro pé, ou uma mão, ou rachar a cabeça… Já está! De joelhos, adoramos. Daqui a pouco, na missa, este mesmo Deus, agora feito Pão, será ternamente deitado sobre uma outra manjedoura: o altar. Porque Jesus nasceu para saciar a nossa fome.

Que mistério é este de um Deus que Se deixa tocar, Menino a Quem damos colo, Hóstia que o sacerdote deposita com jeitinho na concha das nossas mãos? Porque aceita Deus tornar-Se vulnerável, correndo o risco de O deixarmos cair e partir? E sim, já partimos, dividindo a Igreja em mil estilhaços, abandonando os pobres, matando os nascituros, expulsando os refugiados… Mas ano após ano, continua a ser Natal. Deus não parece medir as consequências de Se nos entregar.

“Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado.” O título de glória de Jesus, o nome em que somos batizados e que traçamos sobre a fronte em forma de bênção, não é nenhum dos belíssimos nomes de Deus – “Concelheiro admirável, Deus forte, Príncipe da paz” – mas simplesmente o de Filho: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Jesus é o Filho, também em cada um dos filhos que nos foram dados, pois o único sinal que os anjos dão aos pastores é mesmo este: “encontrareis um Menino recém-nascido”. Hoje é dia de contemplar os nossos filhos em transbordante ação de graças.

Mas Jesus é ainda o Filho nas casas das “estéreis”, como lhes chama a Bíblia, as mulheres que nunca receberam o dom de envolver um filho em panos. O Natal traz-lhes o dom maior do próprio Filho de Deus, que hoje desce ao seu colo para que O amem, ainda que por entre lágrimas. Pois se o Natal é a festa da família e das crianças, é também a festa dos últimos, dos rejeitados, dos “pastores que viviam nos campos” porque, como Deus, não tinham lugar dentro dos muros da cidade.

Hora da missa. “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados!” Entro na Tua igreja como os pastores entraram na gruta de Belém. É aqui e agora que tudo acontece. Contemplo o altar feito manjedoura, e parece-me ver Maria oferecer-Te meigamente ao sacerdote, para que ele, depois, Te entregue a mim… “Alegrem-se os céus, exulte a terra!” Ámen.

 

 

 

 

13 Comments

  1. Tânia Côrte-Real

    O meu desejo é mesmo esse, conseguir que o lugar para Jesus na nossa família seja cada vez maior. Feliz Natal!

  2. Catarina Silva

    Tão lindo! Tão bem explicado. Tão simples de entender… Façamos espaço no coração de cada um de nós, façamos espaço nas nossas casas para acolher o Deus Menino!
    Santo Natal para todos vós!

  3. Vera Rodrigues

    Muito obrigada por esta reflexão! Que realmente possamos acolher o menino e que através de nós outros o possam conhecer e assim perceber onde está a felicidade eterna!
    Santo Natal para todos!
    Vera Rodrigues

  4. Eduardo Miguel

    1Santo Natal.
    Dias felizes a todos os que fazem colinho…

  5. Um Santo e feliz Natal para todos!

  6. Paula Almeida

    Um Feliz e Santo Natal para vocês!
    Obrigada

  7. Obrigada Teresa! Feliz Natal 💗

  8. Gosto tanto destas reflexões, obrigada Teresa mas é a última aqui no site? Será uma pena como também foi quando acabaram os posts diários. Um Feliz Natal Família Power.

    • É a última porque ficam concluídos os três anos litúrgicos de reflexões sobre as leituras dominicais: A, B, C. Já lá vão três anos a escrever quase todos os domingos! O que significa que há uma reflexão aqui no site quase para cada domingo do ano, bastando procurar. Naturalmente há vários domingos que ficaram de fora, porque o jornal onde estas reflexões foram publicadas faz férias três semanas no verão e uma semana depois do Natal e Páscoa, e porque alguns domingos coincidiram com outras solenidades, etc. Mas no geral, os três anos ficaram completos.
      A minha escrita continua, embora de outras formas, e sobretudo, o trabalho com as Famílias de Caná, mais artesanal, mais de carpinteiro ao jeito de S. José, reparando brechas, reconstruindo muralhas… Muita coisa está para nascer e crescer ainda!
      Grande abraço, e feliz Natal!

  9. Feliz Natal e obrigada por estes três anos de crónicas! Felicidades!

  10. Felicidades na caminhada, Familias de Caná.
    Na oração diária, também oferecida por vós, continuamos juntos.

  11. Que o Deus forte o Príncipe da paz ocupe sempre o primeiro lugar nos nossos corações. Feliz Natal Teresa e para toda a família Power! Temos saudades vossas! ❤️

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