Em Caná da Galileia...


No cimo da montanha

Este ano, as nossas férias foram no cimo da montanha, lá onde as horas passam devagar; onde é preciso dar prioridade aos rebanhos de cabras, vacas e cavalos que pastam, desacompanhados, durante o verão inteiro e se atravessam diante de nós como senhores absolutos da montanha; onde os cumes exercem um poder de atração tão grande, que nenhum esforço é demasiado para os alcançarmos; onde o silêncio é como uma muralha à nossa volta, separando-nos do mundo; onde nos descobrimos sós, longe das multidões, e ao mesmo tempo, de uma forma única, privilegiada, escondidos no abraço omnipresente de Deus.

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O Papa Francisco diz-nos na sua encíclica Louvado Sejas:

Na tradição judaico-cristã, dizer “criação” é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projeto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado. A natureza entende-se habitualmente como um sistema que se analisa, compreende e gere, mas a criação só se pode conceber como um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos, como uma realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal. (Nº 76)

Contemplar a criação é também contemplar o seu Criador. Penso em Santa Bakhita, a escrava sudanesa. Quando, depois de uma vida de crueldades e torturas difíceis até de ler, quanto mais de viver, Bakhita finalmente tem contacto com a fé cristã, exprime-se assim:

Então aquelas santas madres, com heróica paciência, instruíram-me e fizeram-me conhecer aquele Deus que, desde criança, sentia no coração, sem saber quem fosse. Recordava que, na minha aldeia, em África, vendo o Sol, a Lua e as estrelas, as belezas da natureza, dizia para comigo: “Quem é o patrão destas coisas tão belas?” E experimentava uma vontade muito grande de o ver, de o conhecer e de lhe prestar homenagem. E agora conheço-O. Obrigada, obrigada meu Deus! (Bakhita, uma Santa para o século XXI)

As férias são o momento privilegiado para contemplar toda a Criação de Deus, começando pela nossa própria família e integrando neste olhar as obras do Senhor. Na montanha, na praia, no rio, no vale, não deixemos passar a oportunidade para descobrir “o patrão” de toda a beleza do universo.

Na serra do Gerês, houve um momento em que o tempo pareceu parar, a nossa respiração ficou como que suspensa entre duas inspirações, o pensamento silenciou por completo o nosso interior, e ficámos apenas a nossa família, a criação e o Criador. Foi um momento totalmente inesperado, e que por isso nos encheu de gratidão e alegria.

Era o fim do dia. No alto da montanha, os mais novos brincavam e os mais velhos subiam às rochas e exploravam. O Niall e eu contemplávamos os nossos filhos, todos tão felizes, espalhados pela montanha. De repente, fomos presenteados com uma belíssima cena, que se desenrolou como um filme à nossa frente: o Francisco acabava de avistar ao longe uma manada de cavalos garranos selvagens, pastando livremente sem que ninguém os vigiasse. Os garranos selvagens são, efectivamente, uma espécie protegida na serra do Gerês, e a sua captura é proibida. Inesperadamente, um dos cavalos largou o grupo e aproximou-se, caminhando decidido pelas rochas e silvas. O Francisco aproximou-se também. Retirando os óculos escuros, para que o cavalo visse o seu olhar inofensivo, e falando num tom de voz baixo e afável, o Francisco conquistou a confiança do seu novo amigo. Por fim, acariciou-o. Depois, devagarinho, afastaram-se novamente. O cavalo regressou à manada, o Francisco à família.

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“Deus dá-nos muito mais do que alguma vez possamos merecer”, comentei eu com o Niall, quando ele conduzia de regresso à casinha alugada onde passámos estas férias. “Por que será que Deus nos trata assim?” O Niall sorriu: “Vamos ver se encontramos a resposta”, disse, enquanto abria a Arca do Tesouro que temos no carro, isto é, o porta-documentos do carro, onde guardamos os cartões bíblicos que a Olívia vai fazendo tão artisticamente e partilhando connosco aqui no site. Retirou um cartão e deu-me para ler:

Gal. 4 7

Rimo-nos, felizes. Claro! Deus dar-nos-á sempre mais do que merecemos, como todos os pais fazem com os seus filhos. Somos filhos! Somos filhos do Criador de todo o Universo! Ninguém é mais poderoso que o nosso Pai! Alegremo-nos! E não nos esqueçamos de agradecer, agradecer, agradecer, todos os dias, de manhã à noite, mas em especial, na mais bela oração de agradecimento do universo: a Eucaristia. Ámen!

One Comment

  1. António Assunção

    Comecei o dia com o pensamento “Deixar-se conduzir por Deus”. Foi o que aconteceu convosco. A emoção e a alegria foi a mesma há muitos anos no cimo de um monte muito alto na Suiça quando um pássaro veio comer à minha mão
    Mas, Francisco, a tua coragem e serenidade é espantosa com outro tipo de criatura de Deus
    Bem hajas por este testemunho e pelo da Jornada Mundial da Juventude
    A A

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