Há uns meses, fui buscar o Francisco e a Clarinha a um encontro de jovens católicos. Vinham felizes, cheios de relatos sobre os novos amigos e as experiências vividas. Tinha sido, decididamente, um encontro positivo. Mas no meio de muita coisa boa, escutei este diálogo:
“Não achaste que se fala sempre um bocado demasiado de “mim mim mim” nestes encontros?”
“Ya, bué! Andamos sempre a ver quem somos, os talentos que temos…”
“Eu acho que falamos demais em nós e de menos em Deus. Eu gostava de ir a um encontro e gostava que me falassem de Deus… Assim, sabes, para O conhecermos melhor, perceber melhor as coisas de Deus. E nos deixássemos de tantos jogos de auto-conhecimento.”
“Ya, tens razão. Chega a um ponto que cansa…”
A sua conversa no banco traseiro do carro continuou para outros temas, mas aquele curto diálogo permaneceu na minha mente. Toda a questão que temos andado aqui a tratar no site das obrigações que temos para com Deus ficaria rapidamente resolvida se, como o Francisco e a Clarinha, ousássemos trocar as voltas ao texto: em vez de pensar em nós, podemos talvez começar a pensar em Deus; em vez de pensar no que nos dá prazer, pensar em Lhe dar prazer a Ele; em vez de pensar no quanto Ele nos ama, pensar em O amar de verdade.
As teorias da Nova Era e todas as formas de auto-ajuda que por aí abundam querem fazer-nos acreditar que o segredo da felicidade está em nos centrarmos. Autoestima, auto-análise, auto isto e auto aquilo. Auto. Eu. O centro do mundo.
Ora o cristianismo propõe precisamente o contrário: não precisamos de nos centrar, mas de nos descentrar, para nos centrarmos em Deus.
Copérnico chocou o mundo ao revelar que o centro do Universo não era a Terra, mas o Sol; que o Sol não girava em volta da Terra, antes o contrário. O cristianismo continua a chocar o mundo, hoje mais do que nunca, ensinando-nos que o centro não é o homem, mas Deus; e que só somos verdadeiramente felizes quando nos movemos na sua “órbita”.
O mundo moderno desafia-nos continuamente a responder à pergunta: “Quem sou eu?” Ora o cristianismo coloca-nos outra questão: “De quem sou eu?” A verdadeira questão que a nossa religião procura responder é esta: A quem pertences tu? Diz S. Paulo:
Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor. (Rm 14, 8)
E S. João acrescenta:
Somos de Deus. (1Jo 4, 6)
Às vezes, quando rezo, contemplo esta frase. Penso na liberdade imensa que experimento quando me deixo levar por este pensamento: eu tenho um Dono, eu tenho um Senhor! Eu pertenço a Alguém! Eu não me pertenço! Parece um paradoxo, não é mesmo? Fechem os olhos… Repitam, também vocês, que pertencem ao Senhor, que são d’Ele, e por isso, que Ele pode fazer convosco o que bem entender… Somos de Deus. Somos de Deus!
É Domingo. É a hora da missa. É o Dia do Senhor, o Dia do meu Senhor. Eu pertenço-Lhe. Esta hora, de que nada entendo, que talvez nada me diga, que talvez me pareça enorme e cansativa, esta hora é d’Ele, como eu. Ele diz-me para vir, eu venho. Abandono-me. Deixo de pensar em mim, nas minhas razões, nas minhas desculpas sempre na ponta da língua. Deixo de fazer perguntas e de querer ter opinião. Deixo-me conduzir pelas Palavras que não entendo, deixo-me guiar por este Amor imenso que me ultrapassa, que me seduz e que me diz: “Obrigado por vires. Obrigado por estares aqui, onde é difícil estar.”
Estou porque sou d’Ele e O amo, nada mais…
Uma reflexão tão bela como a foto escolhida! Que saibamos sempre escolher o centro!