Em Caná da Galileia...


O perfume

“Estou faaaaarta da escola assim!” Grita a Sara, sete aninhos, os olhos cheios de lágrimas e os braços cruzados com fúria. “Não gosto de aprender com o computador! Quero ir à escola, ouvir a professora a ensinar as coisas, brincar com as minhas amigas no recreio”, explica, para o caso de eu não ter entendido bem.

Deixo-a fazer a birra a que tem direito, e sigo em frente até ao quarto seguinte, onde a Clarinha me chamara.

“Mãe, recebi este mail, com esta proposta para fazer um curso online sobre Teologia do Corpo. O que achas?”

“Parece-me interessante, filha. Mas porque estás tão hesitante?”

A Clarinha suspira. “Estou faaaarta do online! Quero fazer cursos, retiros, encontros, mas não online. Quero estar com as pessoas, fazer perguntas cara a cara, rir e conversar no Coffee Break, enfim, fazer as coisas como deve ser. Depois de tanta aula zoom, não aguento mais ecrãs! Mas fico com a sensação de que devia participar em todas estas coisas online…”

“Não fiques, Clarinha. Eu também não consigo fazer absolutamente mais nada online, nem sequer para as Famílias de Caná. Bem basta o trabalho! Não te inscrevas. Aguarda. Melhores dias virão, e depois podes regressar ao convívio com os teus amigos, colegas e professores, e inscrever-te em mil e uma coisas!”

Ao menos – vou pensando – as missas online estão a chegar ao fim… O Santo Padre já deu o exemplo, concluindo as transmissões com a solene missa aniversária de S. João Paulo II. Graças a Deus por este sinal!

Quanto mais tempo teremos de esperar, para o reencontro festivo das nossas comunidades, da escola à paróquia, da família aos amigos, e às Famílias de Caná? Depois da grande euforia do virtual, estamos todos a “cair na real” de que nada se compara à maravilha da vida comunitária, ainda que ela traga consigo o incómodo da relação, o cheiro a suor do que se senta ao meu lado, o cheiro a ovelha do pastor que nunca abandona o seu rebanho, ou até os vírus e as infeções que todos acabamos por partilhar entre todos, como humanidade que somos.

A tarde vai quente. A escola online acabou. Os mais novos não vão voltar a olhar para o ecrã do computador até amanhã de manhã. Vamos a mergulhos, mesmo que apenas no riacho que corre no fundo da rua? Pelo caminho, damos de comer às ovelhas e brincamos por entre as árvores… E assim passamos uma hora magnífica sem confinamentos, sem máscaras – e sem ecrãs.

De regresso a casa, passamos junto a um monte de – como dizer? – árvores trituradas, bem amassadas, preparadas para se transformarem em adubo, capaz de fertilizar campos e hortas sem fim.

“Podemos subir, mãe? Vá lá!”

O monte cheira deliciosamente a óleo essencial de eucalipto. Inspiro profundamente, enquanto os meninos se enchem de terra, vento e sol. Como é bonito pensar nisto! As árvores trituradas transbordam de perfume.

Apesar do calor, estremeço levemente, ao pensar no quanto me sinto, por estes dias, traída e magoada em tantas frentes – como uma árvore esmigalhada. Será pecado, esta revolta que às vezes cresce dentro de mim? Ah, que saudades do confessionário!

Talvez também possa sobrar perfume, de tanto que deixámos triturar nestes tempos de confinamento…

 

 

2 Comments

  1. Não consegui deixar de sorrir ao “ouvir” a Sara. Ela não sabe mas tem sido uma figura muito presente cá em casa. Aqui tem havido muitos acampamentos das Familias de Caná, com cada boneca enfiada numa “tenda” e ora a Sara, ora a Constança a prepararem os jogos, a contarem historias. Aqui o “on-line” tem ajudado, ajudado a conter as saudades, a ritmar…mas já se sente o cansaço.
    Rezamos para que passe e dentro em breve, apanhem Sol , se percam e se reencontrem cheias de água e terra.
    Obrigada Teresa

  2. antónio assunção

    A propósito de O PERFUME e do confinamento e desejo de ter relacionamentos com os outros… certamente sempre mais marcados da nossa (minha) parte pelo amor, esperando pacientemente que nasça a reciprocidade (como disse/diz Jesus: amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei) para construir juntos um viver novo, lembrei-me do pensamento que me acompanha há muitos anos, recebido como prenda em momento especialmente significativo na minha vida que diz

    “O AMOR É COMO O PERFUME
    QUEM O TEM JÁ NÃO O SENTE
    SENTE-O QUEM SE APROXIMA”

    Acompanha o pensamento uma pintura feita no Carmelo do Porto com uma linda rosa (claro com espinhos)

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