Em Caná da Galileia...


Que queres que eu faça?

Alguns santos escutaram da boca de Deus palavras claras e instruções precisas. S. José, por exemplo, ainda que em sonhos. A Madre Teresa, antes de mergulhar na escuridão em que viveu o resto da sua vida. O Santo Padre Pio. Os pastorinhos de Fátima, que tiveram o privilégio de conversar com Nossa Senhora. E tantos outros… De vez em quando, dou comigo a invejá-los. Se ao menos Deus fosse assim claro comigo, e me dissesse exatamente o que pretende que eu faça!

Senhor, que queres que eu faça? (At 9, 6)

Pergunto eu a Jesus tantas vezes, forçada a tomar decisões na família, na paróquia, no Movimento, no trabalho. Mas nunca, até hoje, ouvi nenhuma voz a sussurar-me a resposta.

O Daniel tem um ano, e durante todo este ano, tem sido, para mim, uma fonte de luz inesgotável derramada sobre o mistério de Deus. Eu sei que já tinha tido sete filhos antes do Daniel. Mas na altura, estava demasiado ocupada a cuidar de todos – muito mais novos e dependentes – para aprender as lições divinas que o Senhor me queria ensinar.

“O que tem ele?” Perguntamo-nos, com um recém-nascido nos braços, enquanto ele chora sem parar. Terá fome? Terá frio ou calor? Serão as cólicas? Ou será apenas mimo? Não é fácil saber. “Era tão bom se eles falassem!” Costumava dizer uma das minhas irmãs, muito aflita com os seus recém-nascidos chorosos nos braços. Sim, era tão bom se eles nos dissessem o que querem!

Esta ansiedade dura até este bebé que nos é dado aprender a falar. Porque embora, pouco a pouco, sejamos capazes de o entender, a cada doença, a cada surto de desenvolvimento, perdemos-lhe de novo as coordenadas.

Bebé, que queres que eu faça?

No nosso amor absoluto, que nenhum choro esgota, desdobramo-nos à procura da resposta. Algumas vezes, procuramo-la nos livros de puericultura, nos artigos, nos sites, e procedemos de acordo. Outras, deixamos que o coração fale mais alto, para lá de toda a lógica e toda a ciência, e agimos por instinto, oferecendo-lhe leite ou colo fora de horas – como se ele soubesse as horas! – ou, quem sabe, levando-o a dar uma volta de carro a meio da noite, porque no carro adormece com certeza… Finalmente, há alturas em que só o médico nos pode ajudar.

Senhor, que queres que eu faça?

Se ao menos Tu me falasses claramente! Mas a maior parte das vezes, és na minha vida este Bebé do Natal, recém-nascido, que Deus deposita no meu colo para que eu cuide e faça crescer.

Numa entrevista belíssima, o Papa Francisco diz:

O Verbo, a Palavra de Deus que “muitas vezes e de muitos modos, falou aos nossos pais, nos tempos antigos” (Hb 1, 1), agora, na “plenitude do tempo” (Gl 4, 4), é mudo. O Deus diante de quem se cala é um bebé que não fala. (Ave Maria, edições Planeta)

A tua Palavra, Senhor, encarnou e, aqui em casa, soa em forma de choro, ou riso, ou gritos, ou palavras desconexas. Tu pedes leite, e eu dou-Te colo, Tu choras com sono, e eu desperto-Te ainda mais… Às vezes, a tua Palavra responde-me em oração, com uma certeza que não deixa dúvidas. Outras vezes, preciso da ajuda do sacerdote, ou de outro cristão em quem confio. Mas geralmente, é o meu instinto de fé que me conduz, sem qualquer segurança a não ser a minha boa vontade… Nem sempre acerto, mas sabe, Jesus, que não é por falta de esforço, é apenas por ser desajeitada.

Quando olho para os meus filhos mais velhos, tão grandes e bonitos, rio-me interiormente dos medos que me assaltavam na altura em que eram bebés, de não ser capaz de lhes dar o que precisavam. Afinal de contas, nunca lhes faltou o essencial: “uma medida cheia, calcada, a transbordar” (Lc 6, 38) de amor. Por tentativas e erros, no meio de muito amor, chegámos até aqui. E se Deus quiser, por tentativas e erros, no meio de muito amor, também o Daniel crescerá.

Senhor, que queres que eu faça?

Deus tem um GPS infalível e poderosíssimo, capaz de nos fazer chegar ao destino da Sua Santíssima Vontade através de todas as cortadas erradas e todos os becos aparentemente sem saída por onde tentamos caminhar. Mas este GPS, como qualquer GPS, precisa de ser sintonizado. E não há outra forma de sintonizar o GPS divino a não ser amando.

Senhor, que queres que eu faça?

Tenho para mim que fazer a Tua vontade depende muito menos da minha capacidade de acertar do que da minha capacidade de amar…

3 Comments

  1. Que bonito!

  2. Tão pertinente este texto… e tão bonito!
    Faz-me reflectir em muitos aspectos…
    Também tenho a convicção de que se o “fio condutor” do nosso dia a dia for sempre o amor é o melhor exemplo e a melhor “incubadora” que se pode dar… mas a dificuldade é mesmo essa, fazer com que todos os dias, em todos os momentos, seja o Amor que nos guia…
    Muito obrigada pela partilha!
    beijinhos!

  3. Ah Teresa!!! Que bela reflexão!

    E que voltas damos até perceber um bocadinho da vontade de Deus??!!! Uff…o Senhor leva-nos por caminhos tão diferentes e às vezes tão longos…ou então somos nós que os escolhemos e Ele vai-nos acompanhando. Mas verdade é que tira um maior bem de tudo!!! É essa boa vontade nas decisões tomadas que Lhe agrada, parece-me!
    Ir aprendendo a ler os sinais dos tempos…e arriscar! 🙂 sem desanimar nas quedas (que é a parte mais difícil para mim ahah)!

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