Há momentos na minha vida, como vos tenho vindo a dizer, em que me dou conta de que estou a viver tempos bíblicos, a adentrar-me pela Bíblia e a fazer História, junto com o meu povo, o povo de Deus. São tempos em que me dou conta de que as profecias se cumprem, as visões se realizam, os segredos se manifestam, a graça de Deus é derramada.
Ontem foi um deles. E um dos mais fortes.
O Papa, velhinho, solene, simples. E só. Só numa praça imensa, vazia, deserta.
Vou levar-te ao deserto e falar-te ao coração! (Os 2, 14)
A chuva a cair e, com ela, a noite. O frio, o desconforto.
A solidão do Calvário, onde o Cristo Crucificado está só, abandonado pelas multidões:
Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste? (Mt 27, 46)
Um Papa solitário a subir uma imensa escadaria, encimada por um crucifixo. Como na visão de Fátima, que já se cumpriu, mas que se repete e se volta a cumprir, misteriosamente, em cada geração. Porque a solidão de João Paulo II não foi maior que a de Francisco.
…vimos um Bispo vestido de Branco – tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre – e vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho… (Terceira parte do segredo de Fátima)
Os sinos a convidar à adoração. E, misturados com os sinos, as sirenes. Porque adoramos o Cristo feito Carne no Pão Eucarístico, e adoramos o Cristo feito Carne no irmão que sofre.
Não foi fácil, neste nosso aglomerado de nove pessoas sem possibilidade de distanciamento social, encontrar o silêncio necessário para rezar. O Daniel, do alto dos seus quinze meses, decidiu aproveitar a televisão ligada para fazer o máximo de barulho possível, desde bater nos tachos e panelas, a perseguir o cão e o gato, a derrubar o cesto do lego. Mas nós perseverámos e, de joelhos e cabeças inclinadas, recebemos a bênção do Senhor. E no meio da sua brincadeira, o Daniel também. Porque cada família cristã, com todas as suas atrapalhações e os seus desafios, é uma Igreja Doméstica que o Senhor ama e a quem o Senhor sorri com amor.
Por fim, fica-nos na mente a imagem daquele crucifixo de onde escorria sangue e água… A chuva tornava-o quase humano, quase carnal. Ele estava ali, a dar-nos a beber do seu Sangue e da sua Água Viva, transbordante. E nós bebemos, em grandes goles de graça.
Um dos soldados atravessou-Lhe o lado com uma lança. E logo saiu sangue e água. (Jo 19, 34)
Pensei de imediato na revelação da Divina Misericórdia, no imenso transbordar do amor misericordioso do Senhor para com a humanidade ferida. Na urgência de rezarmos o Terço da Divina Misericórdia, e de nos unirmos a esta Cruz imensa e dolorosa.
Ó Sangue e Água que brotastes do Coração de Jesus, como fonte de Misericórdia para nós, eu confio em Vós! (Diário, nº 187)
Mistérios divinos… Porque na solidão de Roma, na solidão do Papa, na solidão da noite e da chuva, estivemos todos juntos. No mesmo barco.
Vivemos tempos de trevas intensas e, por isso mesmo também, de um enorme apelo à conversão. Nada é por acaso! Não desperdicemos a graça que nos é dada hoje, neste hoje de Deus…
Bom dia,
a dor daquele homem idoso, que em nome da sua profunda Fé no Deus que ama e para quem vive, abençoou o mundo e pediu clemência para a humanidade ecoaram na profundidade da minha alma…
Um de nós estava na cama, e de lá recebeu a sua benção…
Nós não somos daqui… que não nos percamos no caminho!
Mistério maior, o da Paixão… contemplemos!
Nem imaginas a dor que senti ontem. Vi a praça vazia, estávamos de olhos fixos na televisão e o coração chorava cá dentro, aos poucos as memórias de dias felizes naquela praça, brincadeiras naqueles degraus, fotografias que vemos dia sim dia não… o teu aniversário, o sol quente, a família unida dando graças, também ontem estivemos ali, juntos na cruz, e um dia juntos no céu! Dizia a Maria que tudo era tão triste… Tão triste que até o céu chorou todas as lágrimas deste mundo.
“Estamos todos na mesma barca, sozinho ninguém se salva”
Comovente, sem duvida, a visão que nos dada a viver ontem já quase noite.
Que saibamos dela tirar lições…
Saibamos estar atentos e de coração predisposto a viver e aceitar estes novos tempos…
E ainda que pareça o Senhor estar adormecido na nossa barca, ELE está connosco…
… e aquela chuva de graças a encher a Praça e o coração do mundo (chamado à conversão) no final do dia e ao cair da noite …
e aquele azul do céu… que também aparece quase sempre nas imagens de Maria (também na Mãe de Caná)… a acompanhar a chuva que regava a terra e para a fazer germinar com novas sementes para o novo dia…
a tornar presente Maria ali presente, na Salus… do povo romano e do mundo inteiro, ao pé do Filho… primeiro no crucifixo e depois na bênção com o “pão entregue por vós”…
“Não há palavras dignas do vosso louvor”
A Páscoa vai chegar, sim! Mas leva tempo… São quarenta dias, a Quaresma! E é preciso vivê-la até ao fundo, deixar-se embrenhar na sua solidão e na sua angústia, gritar como os discípulos no meio da tempestade, para depois rejubilarmos diante do túmulo vazio! Mesmo sabendo que Ele já ressuscitou, claro… De novo, a experiência que é preciso ser feita, até ao fundo do medo e da alegria, por cada geração. Mas que Maria está connosco, e que aquele azul impressiona, isso é verdade… Um abraço!
Foi, sem dúvida, um momento em que gritava o silêncio… o silêncio orientado pelas tão sábias palavras do Papa Francisco…o silêncio que nos convida a escutar o que Deus diz a cada um de nós neste “tempo de decisão”, como disse o Papa Francisco.
Pergunto eu a todos vós e a mim própria: o que faremos de diferente nas nossas vidas já, mas também depois de o Covid-19 passar? O que faríamos de diferente se o vírus desaparecesse hoje mesmo? No nosso coração, na nossa Família, na nossa Comunidade?
O Papa Francisco respondeu: “decidir o que conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo que não o é. É o tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor, e aos outros.”
E nós, o que respondemos?
Para quem ainda não leu a belíssima mensagem do Papa, aqui fica o link, para que a meditem com as vossas Famílias:
http://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2020/documents/papa-francesco_20200327_omelia-epidemia.html?fbclid=IwAR3Hd2CeX5KCW7Awz1wOhBpCyCItTM8Munw957vd61c_lBmNnseLsWCQYYU
E confesso que quando o Papa Francisco veio “ter connosco” cá fora trazendo o Santíssimo Sacramento, eu senti como que um íman, e quando voltaram a mostrar imagens da Praça de São Pedro, eu nunca a tinha sentido tão “cheia” de todos nós…
Um abraço a todos!