Em Caná da Galileia...


Seis e dez

Eram seis e dez da tarde de domingo passado. No Canto de Caná, a oração inter-famílias tinha terminado, mas na quinta, a brincadeira ainda estava no início. Interrompi para vir beber água aos bebedouros do colégio, no pátio salesiano, e fiquei-me a observar a quantidade de carros que ainda estavam a chegar para a missa.

A missa das seis da tarde é a última de domingo, ou seja, a quarta oportunidade, entre sábado à tarde e domingo à tarde, para os cristãos cumprirem o chamado “preceito dominical”. Eu achava que as pessoas chegavam tarde à missa das dez da manhã de domingo por ser muito cedo para a maioria das famílias. Não imaginava que se pudesse chegar atrasado também para a última missa do fim-de-semana!

Só posso concluir que o problema não está na hora da missa, claro. Estará nas pessoas, que são naturalmente atrasadas? Não me parece. Muitas pessoas que chegam atrasadas à missa são pontualíssimas nos seus empregos. Penso, por exemplo, nos professores, que na escola andam a toque de campainha e estão por isso habituados a não se atrasar. O que fará então com que os cristãos se atrasem para a Eucaristia – e atenção que não me refiro a atrasos perfeitamente compreensíveis, como quem tem um bebé recém-nascido ou um idoso a seu cargo?

A semana tem – eu fiz as contas – 168 horas. Uma delas, apenas uma, é a hora da missa.

O que fará com que os cristãos se atrasem para a única hora na semana que oferecem por inteiro a Deus?

A minha sede apertava. Bebi a água nos bebedouros com sofreguidão. Seis e dez…

Lá dentro, no santuário, estava a Fonte de Água Viva. De Coração trespassado, Jesus vertia o seu sangue a jorros, enquanto exclamava:

Quem tem sede, venha a Mim e beba! (Jo 7, 37)

Teremos nós verdadeiramente sede? Teremos sede de Deus? Sede daquelas que não se conseguem suportar? Que nos fazem correr, saltar, coxear, rastejar, para encontrar a fonte?

Como o veado anseia pela fonte das águas, assim minha alma anseia por Vós, meu Deus! (Sl 42/41, 1)

Se tivéssemos verdadeiramente sede, permitir-nos-íamos um atraso de dez minutos? De dois minutos? De alguns segundos?

E no outro lado do mundo, há cristãos capazes de caminhar durante horas, enfrentando a noite, o cansaço, o perigo, as bombas, para chegar à Fonte…

10 Comments

  1. É muito bom refletir sobre isto e tomar consciência das oportunidades que desperdiçamos. Obrigada

  2. Pilar Pereira

    De facto, não é a hora da missa que leva a haver atrasos, é a descontração (se o chefe do trabalho fosse à mesma missa e pudesse aperceber-se do atraso, provavelmente o atraso seria evitado, mesmo não se tratando do local de trabalho, para não causar má impressão) e desvalorização da missa.

  3. Não sei se é por vivermos numa aldeia pequena ou não, mas raramente alguém chega à missa atrasado… quer dizer só me recordo de atrasos da nossa família… uma vergonha, apenas compreensível porque os atrasos são causados pelo facto de termos de acordar a Lúcia da sua sesta… mas mesmo assim…

  4. Vera Rodrigues

    Bela reflexão, eu sou uma das que chega quase sempre atrasada à missa, mas tb chego quase sempre atrasada a tudo, inclusive trabalho
    . Mas sei que isso não é desculpa, porque quando é estritamente necessário consigo estar a horas… Mas andamos a trabalhar nisso em família…

  5. Ai Teresa eu enfim nem tenho palavras! São tantos os ensinamentos que recebo com as suas palavras que sou uma abençoada por ter esta oportunidade. Obrigada Teresa pela perspicácia com que nos transmite os valores que nos deveriam estar intrínsecos! Um beijinho

  6. É domingo. O meu marido e os três “crescidos” foram à missa das dez. Eu estava a dar biberão à bebé. Quando terminei, eram dez. Mesmo morando muito perto da igreja, era impossível chegar a horas. Decidi não ir a esta missa, para não chegar atrasada. E depois pensei: e se acontece algo semelhante quando for para sair para a missa do meio-dia? Posso ir à das sete da tarde. E se…? Escrevo isto porque me ocorreu que uma pessoa possa chegar tarde à última missa do domingo porque não quis chegar atrasada às anteriores, e, na hora, antes chegar atrasada do que não ir, de todo!
    Tudo o que escrevi não nega que há, claro, quem não se preocupa nada com chegar a horas à missa e que, quem realmente se preocupa, mexe mundos e fundos – dentro das suas limitações e circunstâncias – para chegar a horas.

    • Ter um recém-nascido é uma situação que justifica perfeitamente um atraso à Eucaristia, Pilar, como eu escrevi no próprio post. Seria uma notícia fantástica para o país, nestes tempos de baixa natalidade, se os pelo menos dez carros que eu contei às seis e dez de domingo passado contivessem um recém-nascido cada 🙂
      Bjs

  7. Tenho andado a pensar nisto e… não me consigo decidir em que e como opinar… Mas penso que o essencial é que vão à missa… que tenham em si mesmos a marca de baptizados e o ensejo de lá ir, mesmo que não apeteça… mas que vão! Rezemos para que o Senhor os toque… e não deixo de pensar nos múltiplos argumentos em detrimento do que acabo de escrever… mas… em Mateus, que temos ouvido domingo após domingo, encontro suporte… que vão, que estejam presentes na consagração, que O olhem nos olhos!!!
    E que o Senhor nos toque e abençoe!

    • É a diferença entre uma cultura de mínimos e uma cultura de máximos abertos ao infinito, Rita. É como dizer, na escola, a um aluno cheio de capacidades mas de nível três por total ausência de esforço, que está tudo bem. Não está. Eu pessoalmente não gosto do discurso dos “mínimos” em Igreja, porque a santidade, vocação de todos os batizados, é de uma enorme exigência. Enquanto nos contentarmos com os mínimos, nunca seremos verdadeiramente cristãos. Eu não diria que “o essencial” é ir à missa, mesmo atrasado, mas antes que “o mínimo” é ir à missa, mesmo atrasado… O essencial é o amor, e o amor é exigente.
      Aqui no site, o desafio é mesmo o da santidade. É um desafio exigente, o que vamos propondo às famílias, porque implica vencer os mínimos e abrir o coração ao máximo divino. Naturalmente que se começa com um passo de cada vez. Mas infelizmente, e todos sabemos que isto é verdade (não falamos, claro, de casos concretos porque não vamos julgar ninguém), a grande maioria das pessoas que chegam atrasadas à missa já chegavam há dez anos e vão continuar a chegar daqui a dez anos. É esta estagnação – e não os passos possíveis de quem está a caminho – que condenei no post. Bj

  8. Confronto-me muitas vezes com esta questão e com as pessoas relacionadas com esta questão e lamentavelmente nem sempre há tempo para desenvolver o tema pessoalmente com as tais pessoas. Seja pontualidade seja assiduidade (mínimo ainda mais mínimo!) o que me ocorre são as palavras: prioridades e sentido das coisas. Que prioridade damos à missa? Com que sentido vamos à missa, isto é, porque vamos?
    Se parássemos para refletir que a Igreja ou missa, neste caso não precisa de nós, somos nós que precisamos da missa… talvez a assiduidade e a pontualidade mudassem. E com isto também me acuso a mim, costumo ser pontual e ir sempre à missa (às vezes duas vezes) e vou tantas e tantas vezes só de “corpo presente”.

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