Em Caná da Galileia...


Solenidade da Ascensão, ano C

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

O NOSSO CORAÇÃO JÁ VIVE NO CÉU

Quarenta dias depois de ressuscitar, Jesus subiu aos Céus. O salmo diz que foi “ao som da trombeta”. Será? Certamente que esta “trombeta” tocava muito pianinho! É que poucos se deram conta do que estava a acontecer. E hoje? Viveremos nós a alegria profunda desta especialíssima solenidade?

Lucas termina o Evangelho e começa os Atos com a narrativa da Ascensão de Jesus. Este é, portanto, o ponto de viragem entre a missão de Jesus e a missão dos Apóstolos, a passagem de testemunho de Jesus para os discípulos: “Sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra.” 

A missão de Jesus não terminou na Ressurreição, mas na Ascensão; não terminou vencendo a morte, mas introduzindo a humanidade no Céu, conduzindo os resgatados à sua verdadeira Casa. É preciso, dizem-nos os Evangelhos e os Atos, olhar para o Céu, perceber plenamente que não somos da Terra, que esta vida é muito curta e passa depressa, que tudo o que aqui construímos, planeamos, sonhamos e vivemos só tem sentido se valer para o Céu.

Muitos biblistas costumam achar que os evangelistas usaram imagens catequéticas para falar destas coisas, e que a imagem de Jesus, elevando-se à vista dos discípulos na direção do céu, é desenhada com base noutras imagens da Bíblia. Mas raramente é preciso inventar imagens para as coisas de Deus, pois o próprio Senhor nos oferece os símbolos de que precisamos. Eu prefiro pensar que a origem desta imagem catequética é mesmo o próprio Deus. Foi Jesus que ofereceu esta visão aos seus amigos, que quis ser visto assim, subindo ao céu azul, escondendo-Se por detrás de uma nuvem, revelando na matéria o que acontecia para além dela, a fim de compreendermos. Não foi de forma semelhante que os pastorinhos descreveram as despedidas de Nossa Senhora em Fátima, no final de cada visão? “Em seguida, (Nossa Senhora) começou a elevar-se serenamente, em direção ao nascente, até desaparecer na imensidade da distância. A luz que A circundava ia como que abrindo um caminho no cerrado dos astros, motivo por que alguma vez dissemos que vimos abrir-se o Céu.” (Memórias da Irmã Lúcia, p. 148)

S. Paulo explica-nos isto de outra forma. Diz ele que Jesus é a Cabeça e nós o seu Corpo. A Cabeça já chegou à Luz, o Corpo segui-la-á, como acontece num parto – embora o parto que Jesus iniciou, com a sua Ascensão, leve um pouquinho mais de tempo do que o parto de um filho! Tanto tempo, que se torna tentador desanimar. De facto, os primeiros cristãos estavam convencidos de que a segunda vinda de Cristo estava iminente: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?” E a demora de Jesus fazia alguns cair em desânimo. Mas então, que diremos nós? Não devia o mundo já estar convertido, 2000 anos depois destes mistérios de Deus? Por quanto mais tempo suportará o Senhor as maldades e os crimes da nossa era? Até onde chegará a sua paciência? “Não vos compete saber os tempos ou os momentos que o Pai determinou com a sua autoridade.” Como é misterioso, o amor de Deus!

E no entanto, esta demora do Senhor faz, misteriosamente, parte do seu plano de salvação. Pois o mistério da Ascensão, marcando o fim da missão terrena de Jesus e o início da missão da Igreja, lança-nos a todos nesta aventura da conversão do mundo inteiro, “a começar por Jerusalém”, a começar por cada um de nós e cada uma das nossas famílias.

“Permanecei na cidade, até que sejais revestidos com a força do alto”, adverte o Senhor. Penso nos jovens que, por estes dias, recebem o sacramento do Crisma. Terão permanecido, durante a sua infância e adolescência, na “cidade” da sua família e da sua paróquia, na “cidade de Deus”, alimentando-se continuamente da Palavra e da Eucaristia, rezando juntos, crescendo juntos, até ao dia feliz em que foram revestidos com o Espírito Santo? Diz-nos o Evangelho que os discípulos “voltaram para Jerusalém com grande alegria. E estavam continuamente no templo, bendizendo a Deus.” Como é importante cultivar este “permanecer” em Deus, em “Jerusalém”, pela oração e o estudo das Escrituras! Como é importante cultivar este “permanecer” em comunidade, a começar pela comunidade familiar! Não vivamos dispersos, nem permitamos aos nossos filhos viver dispersos. Sem esta permanência no “templo”, o Espírito não virá. E se o Espírito não vier, não soprará o seu vento, que lança os cristãos no mundo como testemunhas da ressurreição.

Hora da missa. Viemos, porque sem comunidade, não podemos viver. Viemos, porque é “sentado à mesa” com os seus amigos que Jesus nos explica as Escrituras e nos fala do Reino de Deus. Viemos, porque estamos cheios de alegria e queremos bendizer a Deus. Sobre o altar, uma nuvem divina esconde e revela o mistério do amor. Só a fé nos permite ver, no Pão e no Vinho, o próprio Jesus… “Corações ao alto!” Exclama o sacerdote. “O nosso coração está em Deus!” Respondemos, alegres. Sim, o nosso coração já vive no Céu, porque vive no coração de Deus. Um bocadinho de nós já chegou a Casa. Aleluia!

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