Em Caná da Galileia...


Solenidade da Imaculada Conceição

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

 

Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria. Só a Igreja Católica se poderia lembrar de tal coisa: afirmar que o instante da conceção de um ser humano no seio de sua mãe, longe dos olhares do mundo e semanas antes de se fazer anunciar pelo atraso menstrual, esse instante é nada menos do que uma solenidade!

É divino e é solene, o instante criador, que está na origem da vida de cada um de nós, bem como dos milhões e milhões de bebés que, por vontade das mães, nunca chegam sequer a nascer… “Ele nos escolheu, antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis,” diz S. Paulo, reafirmando a solenidade deste primeiro instante. Gosto de imaginar a explosão de luz e de graça que acontece nesse momento, em que o sonho de Deus ganha forma num novo ser humano, insuflando nele uma alma capaz do Céu.

Meses mais tarde, para aqueles que têm o privilégio de crescer numa família católica, essa explosão de luz e de graça torna-se verdadeiramente estonteante, inundando o Céu de uma beleza que nunca conseguiremos imaginar aqui na Terra: é o momento do batismo do bebé. S. Paulo continua: “Ele nos predestinou, a fim de sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo, para louvor da sua glória e da graça que derramou sobre nós, por seu amado Filho.” No batismo, somos agraciados “com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo.” Como podem ainda os pais católicos sentir-se no direito de adiar este sacramento, privando o seu filho de horas, dias, meses e anos da graça divina?

Faz quase um ano...

Em Maria, por um privilégio particular de Deus e pelos méritos d’Aquele que nela viria a ser concebido, estes dois momentos – a conceção e o batismo – aconteceram em simultâneo. O clarão de luz que iluminou o Céu naquele único instante foi de tal forma belo, que todos os anjos se deram conta do milagre. E desde então, o Céu inteiro acompanhou, em êxtase, o crescimento daquela menina de Nazaré, tão pura, tão santa, tão bela. Assim, quando o Arcanjo Gabriel tem a honra de a vir convocar para a missão a que Deus a destinara, a sua saudação é de perfeito louvor: “Avé, ó Cheia de Graça!”

Milhões de anos antes, também uma outra mulher tinha sido criada imaculada. Recordam-se? Também ela era virgem e se encontrava desposada, e também ela recebeu a visita de um anjo… A Bíblia chamou-lhe Eva, e ao seu noivo, Adão; o anjo que a visitou não foi o Arcanjo Gabriel, mas o anjo caído que conhecemos por Satanás. E se a resposta de Maria foi a de um “sim” pleno e total à vontade de Deus, a de Eva foi um “não” também definitivo. Ser concebida sem pecado não é, portanto, sinónimo de perder a liberdade para responder sim ou não ao Senhor!

Ajudada pela Serpente, Eva sonhava tornar-se igual a Deus. Maria só queria ser a escrava do Senhor. Eva tinha-se em grande conta e vivia cheia da sua própria importância, concentrada em satisfazer os seus desejos. Maria tinha-se em nada, e vivia concentrada em satisfazer os desejos de Deus. E porque, no máximo grau de humildade a que um ser humano pode chegar, se esvaziara de si mesma, escavara dentro de si um abismo imenso, que a graça de Deus pôde preencher por completo, tornando-a “Cheia de graça”.

“Ouvi o rumor dos vossos passos no jardim e, como estava nu, tive medo e escondi-me”, diz Adão, em seu nome e de Eva. O pecado leva-os a fugir de Deus e da sua luz, e a preferir as trevas. Maria responde de forma oposta: “Eis a escrava do Senhor!” E o Espírito Santo cobre-a com a sua sombra. Não há nada, em Maria, que fique fora do abraço de Deus.

Se o “não” de Eva à vontade de Deus foi a porta pela qual o pecado entrou no mundo, o “sim” de Maria a essa mesma vontade foi a porta pela qual o Salvador entrou no mundo: “Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus.” Hoje, como então, o mal e o bem continuam a entrar no mundo através da nossa vontade, que ora impomos, ora submetemos à do Senhor. Hoje, como então, Deus bate humildemente à porta do nosso coração, da nossa família, da nossa vida, e pergunta se estamos dispostos a acolher o Salvador e a dá-l’O a todos. Por impossível que pareça, da nossa resposta dependem a guerra e a paz, a dor e a alegria, a injustiça e a fraternidade de cada geração. Quantas contas a prestar ao Senhor!

Somos, contudo, desafiados à esperança: a vitória está garantida, desde as primeiríssimas páginas da Bíblia! “A descendência da mulher te esmagará a cabeça”, promete o Senhor. Esta promessa começou a cumprir-se naquele instante solene que hoje celebramos, e será plenamente cumprida na Vinda Gloriosa de Jesus, que neste Advento queremos preparar.

Hora da missa. Ainda é Advento, mas hoje cantamos “glória” e incensamos o teu altar, porque é a grande festa da tua e nossa Mãe. Somos “filhos de Eva”, como rezamos diariamente na Salve-rainha, mas somos acima de tudo, filhos de Maria, que Tu nos ofereceste junto à tua Cruz. Que fizemos, Jesus, para merecer tamanho dom? Sentes um prazer especial em pagar o mal com o bem… Que privilégio o nosso, termos por mãe a Cheia de Graça…

 

 

 

 

One Comment

  1. Catarina Silva

    Que maravilhosa aula de catequese tive ao ler esta reflexão! Como tanta coisa antes incompreensível para mim, se encaixa agora como peças de puzzle perfeitas!
    Muito obrigada, Teresa! Rezo para que o “puzzle” se vá formando, mesmo que muito lentamente, também para outras pessoas. E que o vislumbre desse puzzle converta muitos corações, principalmente o meu!

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