Em Caná da Galileia...


Solenidade da Santíssima Trindade, ano B

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

SOMOS DA FAMÍLIA DE DEUS E ELE É DA NOSSA

Solenidade da Santíssima Trindade. No Evangelho, Jesus revela-nos finalmente o Nome de Deus, esse Nome que os judeus não ousavam pronunciar, e que agora deverá ser pronunciado “em todas as nações”: é o “nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.”

Hoje é o dia ideal para conversar em família sobre o poder santificante do sinal da cruz: fazemo-lo a cada manhã, ao acordar? E a cada noite, ao deitar? Fazemo-lo sobre a fronte dos filhos, quando os mandamos para a cama ou os deixamos na escola? Quantas crianças chegam à catequese sem saber traçar o sinal da Trindade sobre o seu próprio corpo! Quantos adultos entram na igreja para rezar e, desajeitadamente, como que tropeçam diante do altar enquanto, com a mão, fazem uns gestos indecifráveis sobre a parte superior do corpo! Precisamos urgentemente recuperar a dignidade do gesto e a solenidade com que traçamos o sinal da cruz. Precisamos urgentemente descobrir o poder salvador deste Nome Uno e Trino, no qual fomos batizados. Afinal, Deus tem um Nome que podemos e devemos pronunciar!

Na cabeça de muitos cristãos, o Deus do Antigo Testamento é um Deus distante e frio. Resquícios desta mentalidade fazem por exemplo com que a catequese da infância só inclua o estudo do Antigo Testamento, pasme-se, depois da Primeira Comunhão, ou seja, depois de ultrapassada a idade do maravilhoso, das histórias fantásticas, da naturalidade na aceitação do mistério e do milagre. Pois não está o Antigo Testamento recheado destas aventuras fabulosas da proximidade de Deus, que caminha com o seu povo? É o que nos diz Moisés, o grande Moisés, na primeira leitura de hoje: “Qual foi o deus que formou para si uma nação no seio de outra nação, por meio de provas, sinais, prodígios e combates, com mão forte e braço estendido, juntamente com tremendas maravilhas, como fez por vós o Senhor vosso Deus no Egito, diante dos vossos olhos?” Contemos e recontemos aos mais novos as histórias maravilhosas do Antigo Testamento, com reis e rainhas, pastorinhos e princesas, cavaleiros e gigantes, feiticeiros e animais falantes, onde a lenda se mistura à História, a fantasia à realidade. E veremos como cresce também neles o espanto perante Deus, que desde o início da sua Criação nos fala “por meio de provas, sinais, prodígios e combates, juntamente com tremendas maravilhas.”

A maior dessas maravilhas é o mistério da salvação, pela encarnação, morte e ressurreição de Jesus. Se Moisés se deixou maravilhar perante a simples revelação do Deus Único, o que faria ao tomar consciência do mistério ainda maior da Santíssima Trindade!

Esse espanto caberá a Paulo e aos Apóstolos. Mas primeiro caberá a Maria e a José. “Abba”! Assim rezava Jesus, por certo desde que aprendera a falar. A princípio, terá causado surpresa a Maria e a José esta familiaridade com o Altíssimo totalmente inusitada numa criança judia. Quem era afinal este Deus a quem Jesus tratava por Pai, e quem era esta criança que falava com Deus com tanta familiaridade? Também Maria e José precisaram de crescer neste espanto contemplativo do mistério da Trindade, ali na sua casa de Nazaré.

Depois foi a vez de os Apóstolos ficaram admirados. S. João parece ter sido particularmente tocado por esta forma de Jesus falar com Deus, e nas últimas semanas antes do Pentecostes, o seu Evangelho ofereceu-nos longos pedaços da oração de Jesus, onde a palavra “Pai” aparece vezes sem conta.

Na Carta aos Romanos, é Paulo quem surge abismado perante esta maravilha. Pelo mistério da morte e ressurreição de Jesus, também nós nos tornámos filhos de Deus! Se Deus é Pai de Jesus, também é nosso Pai, pois Jesus é nosso irmão. Haverá maior dom do que podermos chamar Papá a Deus, como Jesus fazia?

O privilégio do Menino de Nazaré é afinal o privilégio de cada um de nós, adultos e crianças. Que nenhum cristão cresça sem conhecer o seu direito inato a tratar a Deus por Pai! Que nenhuma criança chegue à idade de frequentar a catequese sem saber rezar Pai-Nosso!

E tudo isto é possível porque recebemos, pelo batismo, o Espírito de Deus. Quem é este Espírito, que não é Pai nem Filho, mas procede do Pai e do Filho, e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado? Mistério que ainda estamos muito longe de abarcar! Escutamos a voz do Pai no Antigo Testamento. Escutamos a voz de Jesus nos Evangelhos. Mas a voz do Espírito, onde a escutamos? Escutamo-la em vinte séculos de Igreja, nas histórias dos santos e dos mártires, no estudo da Tradição e do Magistério, e mesmo assim, não a esgotamos… Sabemos, como explica Paulo, que sem este Espírito não saberíamos nunca que somos filhos de Deus.

Domingo da Santíssima Trindade. O Deus que caminha com o seu povo desde o início dos tempos continuará connosco até ao fim dos tempos, diz Jesus. Na missa de hoje, como em todas as missas, este Deus Uno e Trino virá e fará em nós sua morada. “Sucedeu alguma vez coisa tão prodigiosa?” Pergunta Moisés. Contemplemos em silêncio. E deixemo-nos, também nós, tomar de espanto…

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