Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga
Domingo de Cristo Rei. Que grande festa! Festa em todo o Universo, porque Cristo reina sobre “todas as criaturas na terra e nos céus”; festa na Igreja, pois “Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo”; festa em cada paróquia, festa na tua casa e na minha. Que nenhum de nós deixe passar este dia sem celebrar!
Mas então… Se hoje é festa, porque nos transporta a Palavra para o momento mais dramático da vida de Jesus? Porquê falar hoje da Crucifixão? Não seria melhor falar da Ressurreição? Escutando, de pé, a proclamação do Evangelho, ficamos com um nó no estômago e passa num instante a vontade de celebrar.
Escandalosa, a cruz. Hoje, como ontem, ela continua a ser pedra de tropeço para cristãos e pagãos. Quem é que quer ter por Rei um Crucificado? Como levar a sério um Rei coroado de espinhos, adornado de chagas, tendo por trono uma cruz?
“Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo!” Diziam os chefes. “Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo”, gritavam-Lhe os soldados. Não é isso que dizemos uns aos outros, quando nos vemos envolvidos em problemas? “Cuida mas é de ti e deixa lá os outros…” E estamos convencidos de que somos capazes de tudo, pois “querer é poder”. É a “autoajuda”, a “autoestima”, a “autossalvação”. Vivemos num tempo de “autos” e “selfies”. No trabalho, no grupo de amigos e, infelizmente, até nas atividades paroquiais, o centro é o nosso “eu”, um “eu” que se melindra facilmente, um “eu” insuflado que queremos a todo o custo entronizar. Gostaríamos de reescrever o hino de S. Paulo: “Em tudo nós temos o primeiro lugar…”
Jesus Crucificado recusa salvar-Se a Si mesmo. Pois não foi Ele que disse, “Quem quiser salvar a sua vida há de perdê-la” (Mc 8, 35)? Docemente, humildemente, silenciosamente, Ele permanece na Cruz. Porque sempre Se esqueceu de Si, não O afetam as humilhações nem Se sente ofendido pelos insultos. O seu pensamento divino volta-Se por completo para o outro, para a mãe, o discípulo, o crucificado a seu lado. A esses, não quer que nada falte, e até ao último sopro, há de os acarinhar.
Penso em Pier Giorgio Frassati, aos 24 anos vítima de uma poliomielite fulminante, que contraiu nas suas constantes visitas aos pobres. Já mal consegue falar, mas por gestos, pede à irmã que lhe chegue um papel e uma caneta. Com uma caligrafia quase ilegível, escreve: “Leva estas injeções ao Converso. Renova em meu nome a apólice de Sappa. Esqueci-me.” Referia-se a dois pobres que costumava visitar – e no auge do seu sofrimento, era neles que pensava.
“Lembra-Te de mim”, pede o Bom Ladrão. No limite das forças, este homem já destronou o seu “eu” e está liberto de todos os “autos” e “selfies”. Nada lhe resta de que se possa orgulhar. Sozinho, só fez estragos… Mas talvez ainda vá a tempo de alcançar a felicidade – já não nesta vida, mas na eternidade! O Bom Ladrão precisa urgentemente de um Salvador.
A resposta veio imediata: “Hoje estarás comigo no Paraíso.” Jesus não pede senão um suspiro da nossa parte para nos salvar. Que alegria! Quantas vezes hesitamos em nos aproximarmos do confessionário, e Jesus Crucificado à nossa espera! Não hesitemos mais: “Jesus, lembra-te de mim!”
Foi a certeza de que a cruz é caminho imediato para o Paraíso que deu alento aos mártires. “Viva Cristo Rei!” Gritava o jovem Joselito, S. José del Rio, caminhando para a morte já depois de lhe terem cortado as palmas dos pés. Dias antes, e falando do chamamento ao martírio que se vivia então no México, dizia à mãe: “Nunca foi tão fácil entrar no Paraíso!”
Mas não são só os mártires a proclamar a realeza de Cristo. Proclamam-na na sua vida todos os que, como Ele, receberam o mandato divino de servir os irmãos, “dirigindo as suas entradas e saídas”, e o fazem com humildade, desprezo de si mesmo, espírito de missão. O Rei David permanece na História Sagrada como o modelo do rei que, ungido pelo Senhor, a Ele regressa depois de cada queda e a Ele se entrega. Como David, muitos outros reis ao longo da História transformaram o poder em serviço, o fracasso em cruz. Há, graças a Deus, muitos santos entre estadistas e reis!
Mas então, o que há aqui na leitura do Livro de Samuel para mim e para ti? Olhemos mais fundo… Cada um de nós foi, como David, ungido rei. Lembram-se? Aconteceu no dia do nosso batismo. Somos por isso chamados a reinar, servindo, em cada quadradinho do nosso mundo: na família, no trabalho, no bairro, na paróquia. Façamo-lo ao jeito de David e, acima de tudo, ao jeito de Jesus, e Jesus Crucificado.
Hora da missa. “Vamos com alegria para a casa do Senhor!” Venho fazer festa contigo, porque pelo sangue da tua cruz – diz Paulo – fui transferido para o teu reino… “Viva Cristo Rei!” Canto como Joselito. Quero deixar-me incomodar por este grito de mártir. Quero deixar-me incomodar pela tua cruz, que partilhas comigo e de que eu tantas vezes escarneço, preocupado em salvar-me a mim mesmo. Quero agora esquecer-me de mim e fixar o meu olhar em Ti, que foste crucificado por meu amor. “Jesus, lembra-Te de mim!”
Viva Cristo Rei!!!!! 😀
VIVA!
Cristo nosso Rei, crucificado por nós, reine sempre em nossos corações! Ámen!