Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga
DESDE O VENTRE MATERNO
João Batista é o único santo, à exceção de Maria, de quem a Liturgia celebra o dia do nascimento. Ele tem um lugar muito especial no conjunto dos santos, pois a ele coube o privilégio de fazer a ligação entre o Antigo e o Novo Testamentos. E fez essa ligação através daquele salto de alegria ainda no ventre materno, do seu jejum e penitência durante a longa estadia no deserto, da sua fidelidade até ao martírio. Mas acima de tudo, João uniu os dois Testamentos quando apontou para Jesus: “Eis o Cordeiro de Deus.” (Jo 1, 29)
“O Senhor chamou-me desde o ventre materno, disse o meu nome desde o seio de minha mãe.” Assim fala o profeta Isaías, e assim podia ter falado João Batista, que naquele dia feliz, celebrado cada ano a 31 de maio, saltou de alegria no seio de sua mãe Isabel. Quando, no silêncio da noite, sinto os movimentos intrauterinos do meu oitavo bebé, penso em João e no mistério da Visitação, que todas as semanas meditamos em família, durante a recitação do Terço diário. “Mãe, o bebé que trazes na barriga gosta de falar com Deus, não é?” Perguntam-me às vezes os meus filhos, habituados a contemplar este mistério. E eu respondo que sim, que todos nós fomos capacitados para escutar a voz de Deus logo a partir do ventre materno. Esta certeza não nos é dada por uma imaginação fértil, mas pela própria Palavra!
Rezemos vagarosamente o salmo deste domingo e mergulhemos nas profundezas do mistério da Criação, quando Deus, no silêncio do útero, molda com carinho e cuidado desmedidos cada ser humano que chama à vida. Inspirado por Deus, o salmista, sem nunca assistir a uma ecografia tridimensional, foi capaz de captar toda a ternura e todo o mistério do ventre materno habitado… Podíamos fazer deste salmo o Hino do Nascituro: “Vós formastes as entranhas do meu corpo e me criastes no seio de minha mãe…”
E se assim faz o Senhor ao criar cada um dos nossos filhos, ao criar cada criança concebida na riqueza ou na miséria, na paz ou na guerra, na saúde ou na doença, também assim fez com cada um de nós. “Senhor, Vós conheceis o íntimo do meu ser. Sabeis quando me sento e quando me levanto…” Coloquemo-nos então na presença de Deus, e deixemo-nos simplesmente amar por Ele, até ficarmos deslumbrados diante desta realidade: o Senhor ama-me realmente tal qual eu sou, ama-me mais do que qualquer outra pessoa, ama-me mais do que eu sou capaz de me amar a mim mesmo!
E o bebé nasceu, trazendo alegria a Isabel, a Zacarias e a todos os vizinhos, como sempre faz um recém-nascido. “Quem virá a ser este menino?” Perguntavam-se todos. E assim nos perguntamos todos diante de cada novo ser humano. Porque todos nascemos com uma missão bem definida pelo Senhor. O privilégio do chamamento desde o útero não é apenas de Isaías e de João! Ninguém vem ao mundo se o Senhor o não chamar à vida, e ninguém nasce que não seja de imediato enviado.
“Farei de ti a luz das nações”, diz o Senhor a Isaías. Como disse a João. Como nos diz a nós. E este chamamento intrauterino foi confirmado no dia do batismo, quando fomos ungidos sacerdotes, profetas e reis, à semelhança de David e de João, o rei e o profeta referidos por Paulo na leitura dos Atos. Dar-nos-emos conta da grandeza de tal chamamento? Como é típico de Deus, raramente a nossa realeza, a nossa profecia ou o nosso sacerdócio serão exercidos em glória. Na maior parte das vezes, exerceremos o nosso ministério no deserto… E também aí nos assemelhamos a João, pregando no deserto para os pobres e excluídos e terminando decapitado.
Zacarias, Isabel, João. Uma família simples e crente, semelhante a tantas famílias. Uma família que reza e acredita, que duvida e erra, que não tem medo de agir contracorrente: “O seu nome é João.” A História Sagrada começa quando uma família, a de Abraão, responde “sim” ao chamamento divino. De família em família, chega à família de João Batista e, no mesmo capítulo, à família de Jesus. Hoje, chega também à minha e à tua…
24 de junho, solstício de verão. De agora em diante, aqui no hemisfério norte onde nasceram as Escrituras, os dias ficarão cada vez mais pequenos, até ao dia 24 de dezembro, em que voltarão a crescer. Foi, de facto, João quem afirmou: “É preciso que Ele cresça e eu diminua.” (Jo 3, 30) E ainda: “Eu não sou quem julgais; mas depois de mim vai chegar Alguém, a quem eu não sou digno de desatar as sandálias dos seus pés.” Se Jesus diz de João: “Entre os nascidos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Batista” (Mt 11, 11), e contudo, João diz de si próprio o que acabámos de escutar, quem somos nós para nos permitirmos gestos de vaidade? Imitemos João, maior do que nós, tornando-nos como ele e como os dias que se seguem cada vez mais pequenos, para que Jesus possa, de facto, crescer entre nós.
E façamo-lo desde já, na missa deste domingo, ajoelhando e humilhando-nos quando o sacerdote, à semelhança do Batista, nos apresentar o Salvador: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo…” Ámen!
Na Eucaristia de ontem, entre os idosos do lar e as crianças da catequese, a Teresa e o Niall impunham-se no meu coração, qual Isabel e Zacarias, felizes a aceitarem a vontade do Senhor… Um santo Domingo!
Gostei como sempre de ler o seu post.