Em Caná da Galileia...


Tempestade de graças

Há alturas na vida em que Deus faz chover sobre nós uma verdadeira tempestade de graças. São tempos absolutamente fascinantes, onde a alegria e a dor se misturam numa combinação única de bênçãos. Mas como qualquer tempestade, são bastante desagradáveis, assustam, fazem frio e incomodam q.b.

Cá em casa, esta semana foi assim. Eu andava toda contente, sentindo-me quase recuperada, e cheia de planos. Ena, quantos planos! Mas de repente, uma pequena complicação de saúde no pós-operatório veio transtornar os meus planos e atirar-me para a cama.

Ao mesmo tempo, demos conta que o contador da água voltava a girar, a girar, a girar sem parar, e de novo – como acontecera no início do verão – foi preciso esburacar o jardim. Desta vez, esburacar mesmo tudo, especialmente aquelas partes em que a relva estava mais verdinha… Sim, porque o verde da relva tinha cinco segredos, cinco “furos de rega” permanentes lá escondidos! Neste momento, o nosso jardim está assim:

Para as crianças, é o paraíso. Para o Niall, que tem de tomar conta delas e da casa enlameada sem a minha ajuda, é o inferno. Entre um e outro, eu lá vou sofrendo o purgatório…

Ah, mas há mais: tínhamos marcado há um mês obras necessárias em casa. Como é natural acontecer com obras, o atraso dos trabalhadores fez com que elas acontecessem, sim, adivinharam: precisamente nesta semana. Assim, foi preciso esvaziar a sala e mudar sofás e a família para o escritório. Depois, foi preciso aguentar com pó e lixo, já não só no jardim, mas na sala e na casa toda. E eu sem poder ajudar…

Resta-nos um apurado sentido de humor, um esforço familiar para não perdermos a paciência uns com os outros, e a certeza de que esta tempestade só pode ser… uma tempestade de graças.

Quando tempestades assim acontecem na nossa vida – e esta é brincadeira, comparada com as tempestades que se abatem sobre a vida de muitos de vós, de muitos irmãos espalhados pelo mundo – a tentação é, naturalmente, abrir o guarda-chuva: crispamos o rosto, zangamo-nos com Deus e com o mundo, diminuímos o tempo de oração. E a chuva de graças escorre pela superfície do nosso lindo guarda-chuva sem nos tocar. Que desperdício!

Que fazer então? Que fazer, quando a dor física ou psicológica é tão intensa que nos traz as lágrimas aos olhos e nos faz gritar de aflição? Porque às vezes, a intensidade da nossa dor não nos permite sequer pensar, quanto mais trabalhar pelo Reino de Deus! Esse é, contudo, o momento de fechar o guarda-chuva: embora a dor nos faça pensar mais em nós do que nos outros, podemos sempre oferecê-la ao Senhor. E para isso, bastam algumas palavras simples: “Senhor, ofereço-Te tudo, pelas Tuas intenções!” Também podemos propor algumas intenções concretas, ou pedir a Nossa Senhora que escolha as mais urgentes. Santa Teresa de Calcutá fazia assim a sua oferta: “Senhor, tomo tudo o que me quiseres dar, e dou-Te tudo o que queiras tomar!” Santa Zélia Martin, mãe de Santa Teresinha, doente terminal de cancro da mama, sem a possibilidade de recurso, na época, a qualquer tipo de paliativos, gritava dia e noite a mesma oração: “Ó Deus que me criaste, tem piedade de mim!” A nós, Famílias de Caná, o Senhor confiou uma oração de apenas duas palavras: “Nós, Jesus!”

E de repente, tudo faz sentido. Alguns dias de dor assim atraem sobre a nossa família, o nosso movimento, aqueles que amamos, mais graças do que anos de alegre tranquilidade. Não são belas palavras minhas, pois não tenho qualquer autoridade para o fazer. São palavras de santos. E vou citar Santa Faustina, correndo embora o risco de chocar alguns leitores:

A alma sofredora submetida à vontade de Deus atrai mais bênçãos divinas para o convento, do que todas as Irmãs que trabalham. Pobre do convento que não tenha Irmãs doentes! Deus com frequência concede muitas e grandes graças em consideração às almas sofredoras e afasta muitos castigos unicamente em atenção a elas. (Diário, nº 1268)

E agora, o grande S. Paulo, a propósito de um outro tipo de sofrimentos:

E para que a grandeza das revelações não me levasse ao orgulho, foi-me dado um espinho na carne, um anjo de Satanás que me esbofeteia e me livra do perigo da vaidade. Por este motivo, supliquei três vezes ao Senhor que o afastasse de mim. Mas ele respondeu-me: “Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que a força chega à perfeição.” Portanto prefiro orgulhar-me das minhas fraquezas para que habite em mim a força de Cristo. Eis por que sinto alegria nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo. Pois quando me sinto fraco, então é que sou forte. (2Cor 12, 7-10)

Eu sei que tenho insistido muito neste ponto, mas faço-o convicta de que o Caminho da Cruz – seja por meio de doenças, seja por qualquer outra dificuldade ou situação honrada e digna na nossa vida – é o único que faz o céu chover graças sobre nós. E tenho uma íntima convicção de que nestes tempos iniciais do nosso movimento, é sobretudo isto que o Senhor nos está a pedir, a mim como a vós: a aceitação alegre dos sofrimentos que o Senhor permite e o seu oferecimento, para que as Famílias de Caná sejam santas e instrumento da santidade de Deus no mundo.

Vamos a isso? Fechemos os nossos guarda-chuvas e deixemos que o Senhor nos encharque com a sua chuva de graças! Nós, Jesus, conTigo pela salvação do mundo, ámen!

PS – Sábado, lá estaremos em Fátima, no encontro nacional da família salesiana, para dar testemunho familiar. Pela magia, pela dança, pelo canto e pela palavra – minha ou do Niall – daremos testemunho. Os que quiserem participar neste encontro, visitem por favor a página dos eventos!

2 Comments

  1. Há vários dias que vinha ao site à procura de conforto, esperanca, um sinal que me indique o caminho a seguir, como a estrela indicou o caminho aos Reis Magos e aos pastores… e nada…..
    Ontem à tarde – quem espera sempre alcanca – chegou!
    Teresa, se precisavas de uma confirmacao: a tua chuva de gracas caiu sobre mim.
    “Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que a força chega à perfeição.”
    Obrigada pelo impulso e pelo exemplo.
    Na minha terra costuma-se dizer a quem te oferece alguma coisa: “Que Deus te acrescente”.
    Deus deu-te mais uma vez a inspiracao para encontrares as palavras certas e necessárias para mim, que me sinto tao fraca, insultada, perseguida….

  2. Obrigada por partilhar connosco esta reflexão maravilhosa, Teresa!
    Dá-me muito que pensar. A ver se este ano aprendo a fechar o guarda-chuva…
    Um abraço.

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