Em Caná da Galileia...


Todos os Santos (Domingo XXXI do TC, ano A)

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

SANTOS MODERNOS

Celebramos este domingo a solenidade de Todos os Santos. Hoje, aqui na igreja, está connosco “uma multidão imensa, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas.” Glória ao Senhor!

É, de facto, um contexto litúrgico, o que encontramos no Apocalipse. As visões de João dizem-nos que a Igreja triunfante, a Igreja Purgante e a Igreja militante caminham juntas, entrelaçando-se na santa missa. Em nenhum outro momento ou lugar – nem quando visitamos o cemitério – estamos tão unidos aos nossos familiares falecidos como na missa.

Ali, ao redor do altar, não estão apenas o sacerdote e a assembleia, mas todo o Céu. Se pudéssemos ver a missa com os olhos de Deus, veríamos uma multidão de anjos e santos “de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro.” E se pudéssemos escutar os nossos cantos com os ouvidos de Deus, descobriríamos que a Terra e o Céu “clamavam em alta voz” hinos de louvor. “Todos os anjos formavam círculo em volta do trono”, especialmente os nossos anjos da guarda, como o Santo Padre Pio descrevia nas visões que lhe era dado ter, durante a celebração da missa. “Prostravam-se diante do trono, de rosto por terra, e adoraram a Deus”… No seu testemunho, que continua a percorrer o mundo, Glória Polo descreve a visão que teve de como não só os anjos, mas até Nossa Senhora se prostra de rosto por terra, quando Jesus é elevado na Hóstia Santa. Como podemos estar distraídos ou pouco reverentes, durante a consagração?

Vitrais do Santuário Nossa Senhora Auxiliadora, Mogofores

Se S. João descreve os santos como seres “vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão”, no Evangelho, Jesus traça deles um retrato bem mais humano: “Felizes os pobres, os que choram, os humildes, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros, os pacíficos…” O Papa Francisco chama-lhe o “bilhete de identidade do cristão”. E são conceitos tão simples, tão fáceis de concretizar no dia-a-dia, que não precisam de mais explicações. Como sobrepor as duas imagens?

Ao longo da História, as igrejas foram ornamentadas de vitrais e de imagens representando os santos e replicando esta visão litúrgica que hoje contemplamos. Habituámo-nos a imaginar os santos com auréolas na cabeça e expressões de êxtase. E tanta “beatice” foi-nos desanimando. Os santos tornaram-se pessoas a venerar, não a imitar. Assim, quando no fim da sua vida, diziam a Dorothy Day que ela era uma santa,  esta comunista, anarquista, feminista do século XX, que, depois de convertida, se dedicou ao serviço dos pobres e à oração, respondia: “Não me façam santa, não me despeçam assim tão facilmente.”

Esvaziámos as igrejas dos santos antigos, porque nos incomodavam. Mas eis que um novo mundo se nos abre: acaba de ser beatificado um adolescente que, hoje, teria apenas 28 anos. E se não temos de Carlo Acutis estátuas de rosto em êxtase, temos vídeos divertidos da sua vida em família, das suas brincadeiras e gargalhadas. Outros jovens estão a caminho dos altares. Um deles, o médico e seminarista brasileiro Guido Schaffer, morreu a fazer surf. Há mães e pais de família na corrida também. Eis os santos que, hoje, a Igreja nos propõe: bem alicerçados na sua / nossa época, geralmente sem visões nem êxtases, não fizeram milagres em vida, mas encarnaram plenamente as Bem-Aventuranças, vivendo a “grande tribulação” deste mundo com alegria, humildade, mansidão, pureza, misericórdia e justiça, unidos intimamente à cruz de Jesus, de onde jorra o único sangue capaz de branquear as nossas vestes.

Serão estes santos nossos contemporâneos a resgatar as imagens antigas, permitindo-nos que enchamos de novo com elas as igrejas. Pois se os santos modernos são totalmente humanos, os antigos também. Tão imitáveis são uns como outros. Festejemos os santos, todos os santos! Contemos as suas histórias, façamos jogos, festejemos os nossos onomásticos!

E quanto àquela multidão “que ninguém podia contar” de santos não canonizados, que inspiraram os que com eles privaram? Todos conhecemos alguns. O Papa chama-lhes “os santos ao pé da porta” (GE nº7) Festejemo-los hoje também, pois no Céu, todos seremos conhecidos e celebrados uns pelos outros. “Então seremos semelhantes a Deus, porque O veremos tal como Ele é.”

E se, como diz o Papa, “todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia” (GE nº14), então esta festa é também para nós. “Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa.”

Hora da missa. Entro na igreja nestes tempos de pandemia, nesta “grande tribulação”, e fico só, num banco imenso, máscara no rosto a cobrir o sorriso, mãos que não posso estender calorosamente a ninguém… Contudo, Jesus, estou aqui mais acompanhado do que me é possível imaginar: o Purgatório, o Céu inteiro e a multidão dos crentes sobre a Terra fazem coro comigo, cantando a uma só voz: Santo, Santo, Santo és Tu, Senhor! Pertenço, humildemente, a “esta geração, a geração dos que Te procuram…” A Eucaristia é também para mim, como para Carlo Acutis, a autoestrada para o Céu.

 

 

 

 

4 Comments

  1. Catarina Silva

    Que reflexão tão mas tão bonita! No domingo, a nossa oração da noite vai basear-se nesta reflexão…Uma verdadeira aula de catequese familiar! Obrigada Teresa!

  2. Tânia Côrte-Real

    Muito obrigada por mais uma excelente reflexão.
    Feliz dia de todos os Santos!

  3. ANA MARIA JORGE RIBEIRO ALVES

    Também eu sinto que faço parte da geração dos que procuram o Senhor. Concordo consigo, realmente os santos são para imitar e não para venerar. Um Santo Domingo

  4. Pilar Pereira

    Este ano, pela primeira vez, festejámos o Dia de Todos os Santos de forma diferente. As crianças/jovens cá de casa (talvez para o ano eu e o pai nos juntemos) vestiram-se de santos: Santa Beatriz da Silva, Santa Rita de Cássia, Santa Clara e S. Francisco de Assis. Depois, fizemos video-chamada com primas, também elas (e a mãe, minha irmã) vestidas de santas (a ideia partiu delas). Cada sant@ falou um pouco de si, e os outros tinham de adivinhar quem era. Curiosamente, uma das primas também era a Santa Rita de Cássia. 🙂

    Gostámos imenso.

    Uma das coisas que me surpreendeu foi que conseguimos facilmente arranjar vestimenta para cada santo, ao contrário do que eu imaginara. Ao longo dos anos, quando via as fotografias das partilhas das celebrações de Holywins, no blogue ou aqui no site, achava que nunca conseguiríamos imitar tão bem o visual de nenhum santo, mas afinal foi fácil!

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