Em Caná da Galileia...


Uma Caravana rumo ao Céu

Terceiro de uma série de artigos sobre o carisma e a espiritualidade das Famílias de Caná


O meu senhor sabe que as crianças são delicadas e que o gado miúdo e graúdo, que ainda mama, exige os meus cuidados; se os apressarem, ainda que só por um dia, todo o gado novo perecerá. Que o meu senhor queira passar adiante do seu servo; eu caminharei devagar, ao passo da caravana que me precede e ao passo dos meninos… (Gn 33, 13-14)

Nos inícios do Movimento, durante uma pesquisa que eu fazia, na Internet, no contexto dos meus livros Os Mistérios da Fé, o Senhor ofereceu-me esta passagem pouco conhecida do Génesis. Que bela surpresa! Não descansei enquanto não a partilhei com a minha família, na oração familiar desse dia e, depois, com todos os leitores do blogue Uma família Católica. Desde então, esta passagem tem acompanhado o Movimento de forma especial, e todas as Famílias de Caná têm por ela um carinho particular.

Como Jacob atravessando o deserto na companhia de Lia, Raquel e os seus filhos, também as Famílias de Caná avançam em caravana. Seria bem mais fácil avançar sozinhos! Não faltam, em Igreja, propostas belíssimas de santificação individual e conjugal. Mas as Famílias de Caná aspiram à santidade familiar. Elas não sabem avançar sozinhas, só em caravana! Cada uma das nossas famílias é uma caravana no deserto deste mundo, avançando, lenta e cuidadosamente, rumo ao Céu.

A Família Miranda Santos em Caravana...

Escrevo este texto para clarificar algumas questões que me têm sido colocadas, por pessoas que têm, por exemplo, um compromisso assumido com a CVX, as Equipas de Nossa Senhora, o Opus Dei, os Focolares, ou Schonstatt, compromissos individuais ou conjugais, e pretendem agora tornar-se Famílias de Caná. Alegam elas que este compromisso, sendo familiar, não interfere com os anteriores, e que os compromissos anteriores lhes permitem um crescimento pessoal que o novo compromisso não permitirá.

Qualquer família pode vir beber às “bilhas de Caná”, frequentando os nossos encontros sem precisar de justificar seja o que for, e qualquer Família de Caná pode frequentar formações e encontros de qualquer outro Movimento ou carisma eclesial. Nunca fazemos perguntas! Mas as famílias que se querem comprometer com o Movimento devem, idealmente, ver neste compromisso familiar um corte com qualquer outra forma de compromisso individual que até então tenham mantido, isto é, com a pertença formal a qualquer outro modo de ser Igreja.

O que implica coragem e uma certa dose de loucura. Afinal, o nosso Movimento está nos inícios, ainda estamos a desbravar caminho, a cimentar ideias, a aprofundar a teologia familiar que nos é própria! Haverá aqui alimento suficiente para uma família inteira? São apenas cinco pães e dois peixes…

Aqueles que, apesar de tudo, já tiveram a coragem de optar por este caminho renunciando a outros, porventura mais conceituados e experimentados, sabem bem que vale a pena o risco. É que a caminhada familiar que o Movimento nos oferece permite a cada um dos membros da família uma caminhada pessoal inimaginável para quem está de fora. E no fim de contas, todas as espiritualidades tiveram um início e meia dúzia de corajosos ou de tolos (dependendo do ponto de vista), capazes de lhes dar valor! Os cinco pães e dois peixes serão, paradoxalmente, suficientes para todos, e ainda encheremos os cestos de quantos se aproximarem sem se comprometerem.

Uma caravana rumo ao Céu. Um único compromisso. Como Jacob, estamos dispostos a retardar o nosso passo, para que a caravana nos possa acompanhar. Preferimos, por exemplo, uma missa dominical mais agitada e desconcentrada, pela presença dos filhos pequeninos, do que calma e concentrada sem eles. Ou uma oração familiar atribulada, com pandeiretas e leitura soletrada do salmo, do que um retiro de silêncio. Não queremos chegar ao Céu sozinhos, queremos levar a nossa caravana connosco, por muito trapalhona que seja. E encontramos nesta doce teimosia a nossa oportunidade de santidade.

Fazemos nossas as palavras de santa Zélia Martin, mãe de santa Teresinha:

Não peço mais nada, contando que chegue ao Céu com o meu querido Luís e que lá veja todos os meus filhos em lugares melhores do que eu. (Carta ao irmão, 23 e dezembro de 1866)

No dia da aprovação das Famílias de Caná, dizia-nos – a nós, Família Power – o senhor bispo D. António Moiteiro: “Agora é preciso que surjam famílias capazes de apostar tudo no Movimento, capazes, por assim dizer, de dar a vida por isto…”

9 Comments

  1. As famílias de Caná são a candeia acesa do gado miúdo, que caminha devagar, com quedas e levantes, mas que sabe para onde vai.
    Sem pressa, sem compromisso formal, mas sempre com a certeza que esse é o caminho.
    Um grande beijo de gratidão.

    • E que bem que a tua caravana vai caminhando, amiga! Abraço de gratidão também deste lado!

  2. Pilar Pereira

    “Preferimos, por exemplo, uma missa dominical mais agitada e desconcentrada, pela presença dos filhos pequeninos, do que calma e concentrada sem eles.” – Ouch! Por norma, vamos os seis à mesma missa. A Jacinta, com dois anos, não nos facilita a vida (para não falar dos filhos mais crescidos, que às vezes…). Quantas e quantas vezes desejei estar numa missa sem os miúdos… Vou tentar “enxotar” esse pensamento, quando me vier à cabeça!

  3. Há tanto para dizer sobre este texto! (e tão pouco tempo!!!)
    Muitas vezes me pergunto “onde andam as famílias que ainda não descobriram esta forma de caminhar?” e “onde andam as que já descobriram e ainda não se comprometeram?” Depois penso que isso não me cabe a mim saber… Deus sabe tudo, sabe onde elas estão! E se de facto existirem elas hão de se “conhecer pelos seus frutos!”
    Acho que este teu texto foi também um acto de coragem, uma afirmação de que temos de fazer uma escolha.
    Quando olho de fora e vejo algumas das famílias que se comprometeram no início (espero que haja mais famílias que não conheço ainda), o que vejo é um movimento onde pessoas imperfeitas e únicas se encontram com esse mesmo desejo “santificar-se com a família”. Só se pode fazer uma opção destas com ajuda do Espírito Santo, acho que não é uma decisão fácil, mas um compromisso para a vida, às vezes quase que esquecemos do compromisso, e o fogo diminui, mas a chama está sempre acesa, umas vezes é a esposa que cuida da chama outras o marido, às vezes é a mãe… outras o pai… e outras vezes os filhos, nos melhores dias é a família inteira que anima a fogueira!
    Onde quer que o movimento chegue, tenho a sensação de que já não queria viver de outra forma!
    Obrigada por estes textos que nos ajudam a meditar sobre estas coisas.
    Ah, e adorei as fotografias da caravana da família Santos!!!

  4. Helena Atalaia

    Que o Espírito Santo vos ilumine sempre nesta caminhada tão difícil de trilhar! Obrigada pelo tanto que já aprendemos e que certamente continuaremos a aprender, no entanto, sem o compromisso formal mas como amigos que acompanham. Já que para nós há fontes individuais que nos são muito gratas e que no nosso entendimento não se devem anular. Seria injusto e ingrato. Cada chamamento de Deus é único e embora amemos muito a nossa família e esta forma de a alimentar não a queremos ter como exclusiva. Para nós não nos faz sentido. Cada um, é um, com necessidades e vocações individuais, embora se viva com muito amor o alimento da oração familiar. Um beijinho com saudades. Até ao acampamento se Deus quiser!

    • Helena, não há qualquer exclusividade nas Famílias de Caná, como espero ter deixado claro no artigo e como está claro na nossa Carta Fundacional: o trabalho paroquial, por exemplo, vem sempre à frente do encontro da Aldeia de Caná! E já referi muitas vezes que é fundamental que as Famílias de Caná procurem formação noutros lugares que não apenas o Movimento, como nós também a procuramos. Aqui refiro-me apenas a compromisso formal. Esse sim, requer exclusividade. Trata-se, como disse no final, de “dar a vida por isto”. A vossa amizade, para nós, vale mais do que o ouro 🙂
      Bjs!

  5. Helena Atalaia

    Querida Teresa, sim entendi e fez-se entender muito bem. E é exatamente esse compromisso formal que não poderemos renovar com este entendimento. A vossa amizade também nos vale ouro! E cabe à vossa família o entendimento do que é para ser feito e como por isso, força! Beijinho grande.

  6. Olá Teresa!
    Obrigada pelo texto. Entretanto surgiu mais uma questão: é possível um compromisso de apenas um dos progenitores com as Famílias de Canã ( no caso do outro não se opor, mas não querer esse compromisso ou já ter outro compromisso feito)? Ao fazer a questão já me pareceu que a resposta está implícita – família – ou todos ou nenhum… Mas gostaria de saber a sua opinião.
    Obrigada.
    Abraço

    • Célia, essa questão está respondida na Carta Fundacional. Diz aí que sim, é possível um só membro da família fazer o compromisso “em nome” da família inteira, naturalmente com o acordo da família toda. Mas não porque os outros membros têm percursos alternativos, antes pela sua falta de fé, de preparação espiritual. Nestes casos, a caminhada, feita apenas pela mãe, ou pela mãe e os filhos, por exemplo, engloba implicitamente o pai, ou o pai e outro filho, que não “praticam” por enquanto. São situações diferentes da de uma família em que cada membro – no limite – frequenta encontros de movimentos diferentes! Mas podemos falar por mail, se quiser 🙂 Bj

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