Testemunho da Isabel Marantes:
A nossa família está no Canadá há já 3 anos, mas apenas no primeiro ano conseguimos ir a Portugal no Natal.
As saudades são sempre muitas, mas as inúmeras chamadas telefónicas e videochamadas ajudam a estarmos o mais perto possível de todos os nossos familiares queridos que estão do outro lado do Atlântico.
Assim, nós temos aproveitado esta “liberdade” na agenda para fazer algo que sempre quisemos fazer: passar o Natal com as pessoas que estão mais sozinhas nesta altura, como os idosos que passam o Natal no lar sem a sua família e os sem-abrigo.
Isto sempre em família, claro, e com outras famílias!
Num futuro post falarei sobre a nossa visita aos sem abrigo no dia de Natal, mas hoje vou escrever-vos sobre a nossa visita a um lar de idosos na véspera de Natal.
O lar de idosos onde fomos chamava-se “St. Bernard´s Residence”.
É um lar católico, orientado por Irmãs da Congregação das Irmãs Missionárias do Precioso Sangue. Com algumas famílias amigas, costumamos ir algumas vezes por ano a este lar cantar, jogar cartas ou simplesmente conversar. É um lar simples, mas onde se respira aconchego, quer pela forma cuidada das coisas, quer pela simpatia de quem o orienta.
Chegámos à sala comum e, aqueles idosos que iam passar ali o Natal já estavam à nossa espera. Eles e o cão do lar: o Dannyboy, que foi a alegria das crianças, sobretudo do David e do Miguel.
Fomos com mais duas famílias, uma delas com um talentoso pianista de 11 anos, o Timothy! Começámos, então, a nossa visita, com canções de Natal. E a primeira música foi um afinado “We wish you a Merry Christmas”!
As idades das pessoas que nos ouviam variavam entre os oitenta e muitos e os 102 anos (aqui no Canadá o frio “preserva” as pessoas)!
Nos idosos que nos ouviam, muitos dos lábios balbuciavam a letra da canção, mas o olhar estava muito longe dali…talvez numa recordação de um Natal especial, talvez na memória do familiar que já há muito tempo que não faz uma visita, talvez numa ocasião em que eles próprios foram em família cantar a um lar de idosos…
Sim, porque eles já foram como nós e nós, se chegarmos à sua idade, seremos como eles. Quantas vezes nos esquecemos disso?
E eu gostava de refletir aqui um bocadinho sobre o que chamamos a estas casas: lar de IDOSOS. Não que a palavra idoso tenha algo de ofensivo, porque apenas se refere à idade, mas aqui no Canadá chamam a essas residências “Senior´s residences” (residências dos Seniores!). Eu sei que em Portugal também há locais em que falam em residências seniores, mas ainda prevalece muito o termo lar de idosos.
É que um sénior representa alguém não só de idade mais avançada, mas que está numa posição de mais anos de experiência, de mais conhecimento, de mais sabedoria.
Eu gosto desta palavra para falarmos dos nossos idosos… Mesmo dos que andam devagarinho (ou já nem conseguem andar), mesmo dos que têm a memória gravemente afetada… Afinal de contas, seremos só músculos e capacidades intelectuais?
Já algum de vocês viu ou ouviu de um idoso amigo ou conhecido, até já com poucas capacidades físicas e intelectuais, alguma atitude ou frase de sabedoria de vida que vocês nunca mais esqueceram? Eu já, várias vezes!
Não deveríamos todos olhar para os nossos idosos com a noção que eles são pessoas seniores em relação a nós?
Não estaremos nós a minar o nosso próprio futuro quando colocamos os nossos idosos na periferia – como diz o Papa Francisco- física e emocionalmente? Estaremos a tentar convencer-nos de que somos eternamente jovens?
Porque colocamos os nossos seniores na periferia? Porque não estimulamos mais o convívio dos nossos filhos com os seniores? Será porque andamos super ocupados? Porque andamos cansados? Ou porque, no fundo, deixamos falar mais alto o nosso medo da incerteza de como será a nossa própria velhice, por medo das limitações inerentes, da vulnerabilidade, do desgaste, por medo de sequer pensar na morte?…Ao fazermos isto, estamos a enganar-nos e estamos a fazer os nossos seniores sentirem-se abandonados, inúteis e a dizer-lhes que já não há lugar para eles na sociedade.
O Papa Francisco (ele próprio um sénior!), participou num livro publicado muito recentemente pelas Edições Loyola e que se chama: “Sharing the Wisdom of Time, by Pope Francis and Friends” (A Sabedoria das Idades – Papa Francisco e Amigos; não tenho a certeza se já estará traduzido para português).
É um livro absolutamente fantástico que reúne mais de 200 depoimentos de seniores de mais de 30 países que, a partir de cinco eixos temáticos, tecem seus comentários sobre trabalho, luta, amor, morte e esperança, baseados nas suas próprias experiências de vida. Há ainda o item “O Que Aprendi com um Idoso”, no qual jovens vozes contam lições valiosas recebidas de avós, antigos professores ou mesmo velhos amigos.
Neste livro, cheio de simplicidade, de ternura e de profunda sabedoria de vida, o Papa Francisco escreve que já há algum tempo que traz um pensamento no seu coração. O Papa Francisco sente que esta é a mensagem que Deus quer que seja dita através dele: “deve existir uma aliança entre os jovens e os idosos”. Se não fizermos isto, perderemos o que ele chama o “tesouro da sabedoria”, o “reservatório da sabedoria”, o “segredo” de como estas pessoas navegaram pela aventura da vida. Porque os seniores são os “guardiões da memória da História”, diz o Papa. A transmissão desta sabedoria dará raízes ao jovens, para que o seu futuro possa dar mais e melhores frutos. Porque para lidarmos com os desafios do presente e do futuro, precisamos da memória do passado e da visão sábia dos nossos seniores!
De volta ao lar…
Depois das músicas de Natal, as crianças foram oferecer os postais de Natal que tinham feito. As mensagens dos postais eram muito simples:
“Estamos muito contentes por passarmos convosco o nosso Natal”, “Espero que a nossa música vos traga boas memórias neste Natal”, entre outras.
Mas pareceu-me que a entrega dos postais foi a parte de que os seniores mais gostaram. E penso que a alegria que se viu nesses momentos foi porque havia uma mão que levava esse postal a outra mão. Era uma ação concreta para aquela pessoa, não para um conjunto de pessoas…
Na minha vida, nas nossas vidas, com que sénior “concreto” posso eu fazer esta aliança de que o Papa Francisco nos fala? Como posso fazê-lo sentir que todos somos úteis até morrer (e até depois!)? Como posso dar aos meus filhos este “tesouro”? Será que estou atenta ao “tesouro” que são os avós e outros seniores que existem na nossa vida? Será que lhes conto, com todo o carinho, todas as coisas boas que aprendi com os meus pais, com os meus avós, com outros familiares ou amigos seniores?
Ajuda-nos, Jesus, a caminhar sempre ao Teu lado e a ver todos os acontecimentos da nossa vida sob a Tua Luz para que, um dia, com profunda sabedoria, também nós possamos representar um “tesouro” para os que na altura forem mais jovens. No fundo, ajuda-nos a seguir fielmente o Teu conselho do livro de Sirá (Sirá 8:9):
Não desprezes os ensinamentos dos mais velhos, pois eles os aprenderam dos seus pais, e é deles que adquirirás a doutrina e a arte de responder oportunamente.
Tão bom! Obrigada pela partilha e pela reflexão.