Testemunhos


A alegria da Quaresma

testemunho e desafio de Olívia Batista

 

Durante a minha infância, juventude e início da idade adulta sempre associei o tempo da quaresma a um tempo de introspecção, silêncio e tristeza. Sim, tristeza. Tiram-se as flores da igreja, mudam-se os cânticos, deixamos de cantar o Aleluia, é preciso fazer sacrifícios, jejum, tudo muito, muito triste. É o caminho da Cruz. Um outro problema era decidir em que é que ia jejuar na quaresma… se chocolates, se televisão, tinha era de ser uma coisa de que eu gostasse muito para me “doer” na pele, uma tristeza, mais uma vez… e por último a grande lista de objectivos a cumprir durante a quaresma (actividades familiares, planos de leitura da Bíblia, essas coisas) que raramente conseguia concretizar uma frustração é o que era! E assim vivi durante muito tempo. Até conhecer o movimento das Famílias de Caná, onde qualquer que fosse o tempo litúrgico havia alegria… como era possível que existisse alegria em tempos como a quaresma? A esta pergunta foi Jesus quem deu a resposta (Ele responde sempre às nossas perguntas, nós às vezes é que somos lentos de compreensão!)

 

Quando jejuardes, não tomeis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto, para mostrarem aos homens que jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa.
Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto,
para que os homens não percebam que jejuas, mas apenas o teu Pai, que está presente no que é oculto; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa». Mt.6, 16-18

 

Justamente no dia em que se começa a caminhada quaresma, Jesus diz-me para perfumar a cabeça e lavar o rosto, não há cá coitadinha de mim que sofro muito por não fazer isto ou aquilo! Não, Jesus diz alegra-te por caminhares comigo, não rumo à Cruz, mas pela Cruz rumo à vida eterna! E isso faz toda a diferença na forma como nos propomos caminhar na nossa vida, em especial na quaresma. A quaresma não é uma lista de coisas a fazer ou a não fazer, é um caminho de conversão, de aproximação a Deus!

E a caminhada da quaresma (e da vida) não é para ser centrada em mim, mas em Deus. Não sou eu que tenho de sobressair, mas Deus através de mim, o centro não é a minha vida, mas a vida que Deus sonhou para mim. Ao longo dos últimos tempos tenho-me batido bastante por contrariar esta crescente tendência do culto do “eu”, com isto não quero dizer que não tenhamos de cuidar do nosso corpo, do nosso espírito, da nossa mente, apenas quero dizer que Deus tem e terá de ser sempre o centro da vida de um cristão, a felicidade não é a nossa meta, mas o caminho que percorremos com Jesus a nosso lado, muitas vezes ao colo de Maria.

Ser feliz não pode ser o nosso maior objectivo, porque os problemas fazem parte da nossa vida, os imprevistos acontecem, a dor aparece mais cedo ou mais tarde e viver centrados em Deus dá outra dimensão à vida. Querer centrar as nossas vivências apenas no “eu” é fazer uma barreira entre a nossa vida e os outros, entre o nosso ser e Deus, é afastar em vez de servir, é ignorar em vez de dar:

Quem quiser conservar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por Minha causa, há-de encontrá-la! Mt 16, 25

 

Às vezes digo que em tempos as pessoas pensavam que a Terra era o centro e o Sol girava em torno dela, depois descobriu-se que o Sol é o centro e tudo gira à sua volta, não queiramos ser nós agora o centro para que tudo gire à nossa volta… o centro é Deus! Bem sei que é difícil fazermo-nos pequeninos num mundo onde se quer viver de títulos e aparências, é difícil dar sem esperar receber nada em troca, é duro dar até doer dia após dia, mas se a Deus nada é impossível, quem somos nós para duvidarmos da Sua bondade e misericórdia?

 

Nesta quaresma convido-vos assim a fazer de Deus o centro. Se vamos jejuar que seja de cara alegre e para que Deus brilhe através de nós, se nos vamos abster das redes sociais, por exemplo, que seja para dar a Deus mais um bocadinho, vamos a isso? E com alegria, pode ser?

 

6 Comments

  1. Catarina Silva

    Pode. Sim. Claro, Olívia!
    Revi-me muito no post e gostei muito da perspectiva…Não sejamos então como os hipócritas e deixemo-nos de caras sombrias!
    Santa quaresma!

  2. Elsa Cristina Cóias Valverde

    Obrigada Olivia por este testemunho que nos faz olhar para a Quaresma com uma cara alegre.

  3. Marisa Milhano

    Querida Olivia, eu consigo rever-me em todas as palavras que escreves. Vivi exactamente o mesmo processo! Glória a Deus!
    Uma Quaresma alegre!

  4. Como se distingue então a alegria da Quaresma da alegria da Páscoa? É que há mesmo uma razão para a cor roxa dos paramentos, os cânticos menos festivos, a decoração mais simples e não se cantar Aleluia: é a alegria da Páscoa ser mais visível, pelo contraste com a Quaresma.

    • O contraste não é na alegria, Inês, nem podia ser, porque a alegria é virtude cristã para ser vivida em todas as ocasiões, as mais felizes e as mais infelizes. Não há nenhum tempo litúrgico, nem podia haver, em que fossemos desafiados à tristeza, como se fossemos pagãos! Na quaresma, vive-se a luta entre a vida e a morte, e na Páscoa, a vida triunfa. Por isso, na quaresma contemos as cores, os sons, os perfumes, como em tempo de guerra. O ensinamento mensal, que sairá no sábado dia 7, irá aprofundar precisamente este tema da alegria quaresmal. Até lá!

  5. Pilar Pereira

    Também eu me revi nas tuas palavras, Olívia, embora por vezes (muitas, demasiadas!) me esqueça de colocar Deus no centro.

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