O descanso Jubilar

“(O ano sabático ou jubilar) será para a terra um ano de repouso. O próprio sábado da terra vos nutrirá, a ti, e a todos aqueles que residem contigo.” (Lv 23, 5-6)

Descansar

O povo bíblico descansava um dia a cada sete dias, um ano a cada sete anos, e de forma especial, o 50o ano,
o Jubileu. Nunca foi fácil guardar um dia longe dos trabalhos agrícolas, quanto mais um ano, pelo que não
restam dúvidas de que não foi Israel, mas Deus, a inventar tal mandamento. No mundo atual, descansar
tornou-se ainda mais difícil. Não me refiro a encher os dias de atividades lúdicas, barulho e confusão,
compras e festivais de verão, ou ecrãs sem critério. Tudo isso pode ser vivido com conta, peso e medida,
mas não faz parte do descanso bíblico. Também não é descanso sabático o que muitos cristãos tentam viver,
e que consiste em não fazer absolutamente nada, incluindo as tarefas domésticas básicas para manter a casa
a funcionar. Tal absolutismo foi muitas vezes condenado por Jesus.

Sábado ou Domingo?

Com Jesus, as Escrituras cumpriram-se. A partir de então, toda a letra da Lei – o seu sentido literal – está
cumprido. Por isso, os primeiros cristãos rapidamente perceberam que podiam abandonar a circuncisão, o
kosher (o regime alimentar judaico), os sacrifícios animais, o Sábado. Mas o espírito da Lei – o seu sentido
profundo, espiritual – nunca passará. Como pôr em prática o espírito, sem nos prendermos à letra obsoleta?
O Terceiro Mandamento manda-nos guardar o Sábado, pois o Sábado celebra a conclusão da Criação, que o
Génesis narra em seis dias. Mas ao ressuscitar no Domingo, Jesus inaugura uma Nova Criação. Assim, já
não é possível contemplar a obra da Criação a partir do Sábado, porque estaríamos a contemplar uma obra
incompleta. É preciso “subir ao andar superior”, contemplando a Criação a partir do oitavo dia, o dia depois
do Sábado. Se até então, o tempo se sucedia a um ritmo de sete, voltando sempre ao início, a partir da
Ressurreição, a eternidade entrou no tempo, e o primeiro dia torna-se o oitavo, o dia eterno. Quando os
cristãos cumprem o Terceiro Mandamento celebrando o Domingo, não celebram apenas a Criação, mas o
encontro com Deus na eternidade, que Jesus inaugurou na Ressurreição. Sempre que vamos à Missa, e ainda
que os sentidos não o percebam, estamos a entrar na verdadeira terra do repouso, o Céu.

O descanso sabático e jubilar

Assim, na Eucaristia, o Jubileu cumpre-se todos os Domingos. O descanso que o mundo procura no barulho
de verão, sem encontrar, é-nos gratuitamente oferecido numa hora aparentemente pouco estimulante ao
intelecto e às emoções, onde aprendemos a “perder tempo” com quem nos ama infinitamente.

Mas as férias também nos lançam no descanso jubilar. Deixando o ritmo às vezes alucinante do resto do ano,
somos convidados a “perder tempo”, contemplando a Nova Criação sem pressa e com amor. Esta Nova
Criação começa em casa, no esposo e nos filhos, continua na família alargada, que as férias permitem
encontrar mais assiduamente, e prolonga-se ali ao lado, na paróquia, nos vizinhos, nos amigos. Podemos
ainda “perder tempo” a contemplar o passarinho que pousou no peitoril da janela, as nuvens desenhadas no
céu, as ondas do mar. Não tenhamos pressa! Estamos de férias.
E porque estamos de férias, as refeições prolongam-se em conversas, os serões, em jogos e guitarradas. Na
nossa casa, procuramos ter todos os dias pelo menos algum tempo de brincadeira em família. Pode ser um
passeio na natureza, um jogo de cartas, uma ida a banhos no lago. Antigamente, era uma manhã de praia, ou
uma caminhada a ver o pôr do sol. De vez em quando, é ainda um banho de rega no jardim, ou uma tarde na
cozinha, a fazer bolos. Não importa o quê, nem precisa de ser muito, desde que estamos juntos e alegres.
Importa também permitir a cada membro da família “perder tempo” a sós, cultivando aqueles interesses que
a rotina do resto do ano não permite. Nas férias, há tempo para ler, escrever, aprender novas canções, fazer
música sem o peso da avaliação escolar, costurar, desenhar, desmontar um objeto eletrónico, construir um
robot, criar um jogo de computador ou de tabuleiro, plantar um jardim. Só quem tem tempo e não tem medo
de o perder, pode ser criativo. E a criatividade é, claro, uma das marcas de Deus.
Também o ritmo da oração se transforma durante as férias. Quem costuma ter um ritmo muito estruturado,
talvez com missa diária e oração familiar sempre à mesma hora, vai temer a falta da rotina que as férias
trazem. Mas o descanso bíblico prevê esta pausa nos costumes como uma porta aberta para o encontro com
o Senhor: a quebra de ritmo pode introduzir aquele elemento de novidade que nos faz redescobrir a Presença
de Deus aqui e agora. A contemplação da felicidade familiar neste tempo de descanso lança-nos numa
oração de gratidão contínua. O Terço recitado durante uma viagem a caminho de um piquenique em família
abre novas dimensões a cada mistério percorrido. E até a Avé-Maria é murmurada numa tonalidade maior.

O próprio sábado da terra vos nutrirá

O Domingo, oitavo dia porque dia eterno, é também o primeiro dia da Nova Criação. Depois do Domingo
vem o segundo dia, ou “segunda-feira”… Deus quer que a nossa vida esteja bem ordenada, dando a Ele e à
contemplação do seu amor o primeiro lugar. Somos nutridos, primeiro pela Eucaristia, depois pelo tempo
que passamos uns com os outros, com o tempo criativo, com o tempo na Criação. No Domingo, e agora
também, nas férias, alimentamo-nos para viver bem o resto do tempo. A todos, um santo descanso jubilar!

© Teresa Power, 2-8-25

3 Comments

  1. Muito bom, Teresa, como sempre!
    Também gostei muito das palestras / vídeos sobre o jubileu – quanta riqueza!
    E Parabéns ao Francisco, que deve estar quase a ser pai, e à Clarinha pelo seu casamento!
    E pelas músicas novas tocadas e cantadas por tantos artistas!
    E…

    NOTA: demorei a descobrir este novo site – quando tentava aceder ao outro site (durante vários meses) aparecia sempre a mensagem “em manutenção “.

  2. Muito bom, Teresa, como sempre!
    Também gostei muito das palestras / vídeos sobre o jubileu – quanta riqueza!
    E Parabéns ao Francisco, que deve estar quase a ser pai, e à Clarinha pelo seu casamento!
    E pelas músicas novas tocadas e cantadas por tantos artistas!
    E…

    NOTA: demorei a descobrir este novo site – quando tentava aceder ao outro site (durante vários meses) aparecia sempre a mensagem “em manutenção “.

  3. Tempo de férias é mesmo um tempo sagrado para estar com a família, para rezar com mais calma, para recuperar forças para o próximo ciclo. Não sei porque ainda insisto em fazer coisas em casa (também importantes) no tempo de férias e pasmo-me por não conseguir. Mas é mesmo por isto, porque férias têm de ser um tempo jubilar, de descanso e paz. Obrigada Teresa por mais uma reflexão maravilhosa!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *