Em Caná da Galileia...


O “problema” da gravidez adolescente

Sala de professores na minha escola, uma escola imensa, com mais de mil e quinhentos alunos e cerca de trezentos professores, do quinto ao décimo segundo anos (o que impossibilita qualquer reconhecimento das pessoas aqui mencionadas). Conversando sobre um determinado aluno, uma professora de Ciências diz:

“Estou preocupada com este rapaz. Ele veio perguntar-me se é normal uma menina atrasar o período mais do que quinze dias. Eu disse-lhe que sim, e se se tratava da namorada. Ele confirmou. Perguntei-lhe se usava preservativo, e ele confirmou de novo. Depois acrescentou: ‘Professora, se calhar vou ser pai, agora que já acabámos namoro!’ ”

“Tens de falar com ele rapidamente”, diz outra professora, “pois a namorada está muito a tempo de fazer um aborto.”

“Sim”, dizem várias vozes, “quanto mais cedo melhor. É preciso que eles resolvam o problema o mais depressa possível.”

Vivemos tempos difíceis. A maioria das pessoas, e eu atrever-me-ia a dizer, a maioria dos cristãos, está convencida de que, quando um ato se torna legal pela lei civil, passa a ser legal pela lei de Deus. O quinto mandamento – Não matarás – passou de moda.

Por outro lado, tratar a gravidez como um problema é ponto assente nas aulas de educação sexual de qualquer escola pública. O importante, dizem os professores, é evitar o problema ou resolvê-lo. Mas desde quando a gravidez é um problema? Quem tem filhos ou, mais ainda, quem os deseja ter e não consegue, sabe bem que a gravidez não é um problema, mas um dom. Problema é outra coisa. Problema é a completa falta de valores que permite a um adolescente ter relações sexuais e achar que isso é normal; problema é a separação artificial entre sexo e vida; problema é achar estranho que, tendo relações sexuais, uma jovem engravide.

Mas o que eu não consigo entender mesmo é como é que pessoas inteligentes podem considerar que matar até determinado número de dias ou semanas não tem importância, mas matar a partir de determinado número de dias ou semanas é um crime; ou que matar um bebé dentro da barriga é um ato de lucidez, mas matar um recém-nascido é um ato de loucura. Não consigo entender como chegámos ao século XXI, depois de um século inteiro a lidar com tele-imagens, com RX, com realidades virtuais, etc, e continuamos a achar que um bebé que não conseguimos ver tem menos direitos que um bebé que conseguimos ver; ou que os direitos humanos se medem pelo tamanho do ser humano ou pelo tempo de existência.

Como diz o Papa Francisco, o aborto não é uma questão religiosa: é simplesmente uma questão científica. Defender a vida é um ato de inteligência, e que em pleno século XXI se defenda com mais determinação a vida animal que a vida humana – a destruição dos ovos das cegonhas é crime, mas a destruição dos embriões humanos não – é uma das vergonhas que vão ficar para a História, como o foram a escravatura, o racismo, o nazismo.

Penso no aluno de que falavam, rapaz bonito e sorridente, ele próprio filho de jovem mãe solteira. Penso que, se ele tivesse sido concebido hoje nas circunstâncias em que o foi há quinze anos atrás, o mais natural é que – com o encorajamento dos seus professores e dentro de um quadro perfeitamente legal – nunca tivesse nascido…

8 Comments

  1. Helena Atalaia

    Triste e dolorosa realidade!

  2. Obrigada, Teresinha, obrigada! Vida sempre!
    Não compreendo os seus colegas que tratam o aborto com essa leviandade toda. Isto é tudo tão sério e é preciso encorajar para a vida. Rezemos por estas mães, por estes adolescentes, por estes bebés. E por estes professores, para que não incitem mais os seus alunos a procurar o assassínio dos filhos.
    Um abraço
    Joana Rocha

  3. Catarina Silva

    Teresa,
    Desculpe perguntar. Não tem de responder que eu não fico de todo magoada (até porque responder pode, eventualmente, levar ao reconhecimento de alguma pessoa envolvida)…mas o que fez? Como manifestou o seu descontentamento, a sua repulsa? Falou com o rapaz? Explicou o seu ponto de vista aos colegas?
    É que é tão difícil contrapor…quase corremos o risco de levar uma tareia…
    Sabe Teresa,parece-me que o grande desafio dos cristãos defensores da vida, mais do que “criticar” actos anti-vida é levar as pessoas a perceber aquilo que estão a fazer e o preço que terão de pagar por esse acto….porque não há volta a dar, há sempre um preço a pagar. E esta humanidade supostamente mais evoluída, tem vindo a contrair dividas terríveis….Bjs

    • Olá, Catarina! De facto, dado o delicado contexto, a história tem de ficar por aqui, e nada mais posso acrescentar. Mas é muito difícil contrapor. A minha experiência nas escolas – e passei por várias nas alturas de ambos os referendos – foi sempre muito dolorosa. Encontrei maioritariamente apoiantes da despenalização do aborto que se insurgiam quando defendíamos o ponto de vista contrário. Não sou apologista de discussões apaixonadas sobre o tema, porque me parece que o debate, neste campo, é apenas um levantar de muros ainda maiores. A defesa da vida é um ato tão lógico, a presença de um ser humano desde o primeiro instante é uma certeza tão evidente, que pouco há a discutir. Prefiro os gestos: as caminhadas pela vida, o acolhimento e apoio de grávidas em risco, o acolhimento de crianças, e muitos outros. Bj

      • Catarina Silva

        Obrigada Teresa. Calculo que seja mesmo muito difícil (talvez até inútil..) por um lado contrapor e por outro lado ter de assistir a uma realidade tão cruel. Também já começo a perceber que debater certos temas só serve para levantar muros ainda maiores, como diz. Mas levei muito tempo a perceber isto…Que Deus permita que tudo corra pelo melhor com esses jovens e que lhe dê a si Teresa, sempre coragem para defender – com os gestos certos – os valores cristãos nesse meio escolar, tão complexo e difícil. Bjs

  4. Ainda há pouco, numa das minhas escolas, perante a mesma situação, fui clara, uma vida é sempre uma benção de Deus. E cabe-nos a nós afirmá-lo e depois estar presente e disponível para ajudar no que for necessário. Se os arautos da morte a apregoam, porque não haveremos nós de afirmar o valor da vida. Afirmo e contraponho. Acolho sempre, respeito o parecer do outro, mas deixo bem clara qual é a minha convicção e dou o meu testemunho de vida. Em mim morreram três crianças a quem não pude valer. Neste campo, por mim, não têm falado as pedras…

  5. Ricardo Correia

    Olá Teresa!
    Poderoso post e realmente dá muito que pensar. Quando se tira a vida a um ser humano, tanto é crime quando ele ainda está dentro da mãe, como quando já nasceu. Só Deus tem o poder para decidir quem deve viver ou morrer. O aborto não é, como dizem, simplesmente um assassinato. É um roubo… Nem pode haver roubo maior. Porque, ao malogrado nascituro, rouba-se-lhe o direito a este mundo, o céu, as estrelas, o universo, tudo. O aborto é o roubo infinito. Um dia, os médicos disseram a uma mulher que estava grávida, que seria melhor se ela aborta-se porque seu filho iria nascer com uma deficiência (cegueira) e ela se recusou e hoje o seu filho é Andrea Bocelli, a quem Deus tirou a visão, mas lhe deu, uma das melhores vozes do mundo. Dá mesmo que pensar. Aborto, não é só matar, é também roubar a oportunidade de vida, a um ser humano.

  6. Só li verdades!

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