Testemunhos


O que nos une?

Testemunho da Isabel Marantes:

Nestes anos em que temos vivido no Canadá, se há riqueza que temos experimentado é a riqueza da multiculturalidade. Em Toronto temos, literalmente, pessoas de todos os cantos do mundo. Raças diferentes, religiões diferentes, formas de cumprimentar diferentes, formas de vestir diferentes, hábitos diferentes, comida diferente, língua inglesa com sotaques diferentes…

E o que fazer com todas estas diferenças? Às vezes, nos convívios com famílias amigas, não gosto do cheiro nem do sabor de algumas comidas de outras culturas… Às vezes o sotaque do sacerdote é tão acentuado que eu nem percebo o que ele diz na homilia… Às vezes é difícil “ler” pessoas de outras culturas: não sabemos se estão a brincar, se estão a falar a sério ou se estão a ser irónicos… Às vezes, há aspectos em que não é possível concordarmos quando falamos sobre religião com os nossos amigos anglicanos ou com os nossos amigos muçulmanos…

Pois é, é verdade que há diferenças que não podem simplesmente ser anuladas, mas também é verdade que temos sempre muita tendência em olhar sobretudo para o que é diferente no outro, para aquilo que nos separa. E vemos o que não é igualzinho a nós como algo que não compreendemos, como algo desconhecido e que desperta em nós sentimentos de rejeição. E não é preciso falarmos de religiões ou culturas diferentes. Isto também pode acontecer bem dentro da nossa casa, com temperamentos tão diferentes que podem existir entre os vários membros de uma família.

Mas, então, o que pode ser tão grande para nos unir que seja bem maior que o que nos separa?

Posso dar alguns exemplos práticos:

Quando a minha amiga muçulmana se oferece para fazer o bolo da Primeira Comunhão da minha filha…

Quando um amigo irlandês vem cá a casa e eu tenho a preocupação de colocar a água acabadinha de ferver na sua chávena para servir o chá, porque eu sei que ele gosta do chá muito, muito quente (é assim, Niall?)…

Quando os nossos amigos anglicanos partilham connosco formas práticas sobre como ajudar os nossos filhos a conhecerem melhor a Bíblia…

Quando o nosso amigo italiano ensina os nossos filhos a fazer massa (pasta!)…

Quando a minha amiga católica canadiana me diz que deve a vida do seu filho ao médico obstetra judeu que lhe fez o parto…

Quando o nosso vizinho chinês, que gosta muito de ordem no seu jardim e a quem lhe faz confusão que o nosso esteja sempre tão cheio de bolas e raquetes, é o primeiro a emprestar-me a sua máquina sofisticada para limpar a neve do passeio à frente de casa, e que me faz poupar pelo menos uma hora a limpar a neve da rua com a pá!…

Quando crianças de diferentes raças e de diferentes crenças brincam tão bem juntas, enriquecendo a sua brincadeira com ideias próprias da sua cultura…

Quando outra amiga muçulmana me pergunta porque me ajoelho quando entro numa igreja e faço “aquele gesto com a mão” (o sinal da Cruz)… E quer saber o que de tão especial está “naquela caixa” (sacrário)…

Mas então o que nos une?

Penso que o que nos une é o Amor…é esta necessidade que temos de amar e de nos sentirmos amados.

E não é verdade que quando alguém – diferente de mim – tem uma atitude de Amor para comigo eu sinto imediatamente que é muito mais o que nos une do que o que nos separa? E que consigo até aproveitar essas diferenças para crescer, para dilatar o meu coração?

Que grande é esta capacidade do Amor…

É que, como disse o Papa Francisco este ano nas Jornadas Mundiais da Juventude no Panamá, parafraseando Bento XVI:

O amor verdadeiro não anula as diferenças legítimas, mas harmoniza-as numa unidade superior.

Vamos então aproveitar esta Quaresma para, de uma forma sincera, nos unirmos ao que é diferente através de pequenos gestos de Amor… na rua, no supermercado, no nosso trabalho, na nossa comunidade e na nossa casa. Pois só assim mostraremos que é muito mais o que nos une do que o que nos separa…

4 Comments

  1. Pilar Pereira

    Excelente partilha, Isabel! Muito obrigada!

  2. Catarina Silva

    Palmas para esta partilha!!! Muitas Palmas!
    Este é o grande segredo para construirmos um mundo melhor! A ensinar com urgência às novas gerações!
    “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei..”

  3. Este é um dos testemunhos mais lindos e comoventes que li neste blogue.
    Muita gratidão, Isabel!

  4. E o que nos une é precisamente Deus, porque “Deus é Amor” – a minha citação preferida da Bíblia. Esse Amor universal que não olha a cores, géneros, raças ou culturas, como tão bem ilustrado neste testemunho.

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