Em Caná da Galileia...


Os Santos da História, a História dos Santos, Dorothy Day e as aulas de Inglês

“Abre, abre, Teresa, mal posso esperar!” O Niall chegara a casa com uma prenda para mim. Tinha entrado numa livraria e, para sua grande alegria, encontrara na estante um livro especial. O Niall sabe que não há melhor presente para me dar do que um livro sobre a vida de um santo que eu ainda não tenha lido – o que não é assim tão fácil de encontrar! Quando encontra, não hesita em comprar para me surpreender, mesmo que eu não faça anos e mesmo que não seja Natal 🙂

Abri o embrulho. Lá dentro, a biografia da Serva de Deus Dorothy Day, essa grande mulher americana que viveu durante quase todo o século vinte. Dorothy, mãe solteira que se converteu ao catolicismo, não fundou uma ordem religiosa, mas simplesmente abriu as portas da sua pobre casa para acolher os sem-abrigo, os bêbados e as prostitutas que viviam por ali, naquele bairro de Nova Iorque. Em breve se lhe juntaram voluntários jovens, que queriam viver, como ela, a radicalidade do Evangelho, praticando as obras da misericórdia. Hoje, 37 anos depois da sua morte, são cerca de 240 as Casas de Hospitalidade espalhadas pelos Estados Unidos da América. Não há estatutos, não há sede, não há regra. A única regra é o Evangelho, especialmente o Sermão da Montanha e o capítulo 25 de S. Mateus:

Tive fome e destes-Me de comer, tive sede e destes-Me de beber, estava nu e vestistes-Me, estava doente e na prisão e fostes-Me visitar…

Há quem chegue a uma casa de Hospitalidade para trabalhar, porque diz ter encontrado a sua vocação, e permaneça alguns meses; há quem chegue para uma breve visita, e fique a vida inteira. Dorothy ficou. E a santidade da sua vida impressionou todos os que com ela conviveram. Segundo o testemunho do seu bispo, o mesmo que abriu o seu processo de canonização, Dorothy tinha o dom de “confortar os aflitos e afligir os confortáveis.” Que grande dom este!

Dorothy foi uma mulher de oração – de oração profunda e regrada – e de obras de misericórdia, mas sobre isso vou falar-vos noutros artigos, pois não resisto a partilhar convosco aquilo que vou aprendendo com as minhas leituras. Por que vos falo hoje das Casas de Hospitalidade?

Porque estive a preparar as minhas aulas de Inglês do nono ano, onde andamos a tratar o tema do voluntariado jovem. O manual refere os exemplos das estrelas de Hollywood que gostam de visitar países do terceiro mundo, como Angelina Jolie. Há uma obsessão pelas estrelas da música e do cinema nos manuais de Inglês, não sei se já se deram conta! Há anos que, nas minhas aulas, procuro combater esta tendência mundana com material autêntico capaz de marcar a diferença. Este ano, escolhi as Casas de Hospitalidade de Dorothy Day e a forma como jovens, grupos de escuteiros, movimentos e paróquias colaboram com elas.

Dorothy fundou o seu movimento em colaboração com Peter Maurin. Peter ensinou muitas coisas a Dorothy, mas a mais importante foi esta: é preciso adquirir uma visão da vida e da história centrada na santidade. É preciso estudar o passado prestando uma atenção especial às vidas dos santos e ao seu impacto sobre o mundo que os rodeava. “É melhor conhecer as vidas dos santos do que as vidas dos reis e dos generais”, dizia Peter. Dorothy assim fez. Agora, também nós podemos olhar para o século vinte, especialmente na América, com as duas guerras, os movimentos pacifistas e os movimentos de trabalhadores, a bomba atómica, a Grande Depressão, o feminismo, o comunismo, a guerra do Vietname – através da vida de Dorothy. Ela tem muitas palavras e, sobretudo, muitos gestos a dizer sobre cada um destes temas.

Não consigo entender por que razão as Escolas Católicas ainda não encontraram tempo, dinheiro e criatividade para fazer manuais de História que estudem a História através das vidas dos santos. Ou manuais de Inglês. Ou de Português. Sem retirar nada do que lá se diz, é sempre possível encontrar exemplos ilustrativos para os vários tópicos nas vidas dos santos. Eu vou fazendo isso à minha minúscula escala, na escola pública: da mesma forma que mostro aos alunos o vídeo de parte do discurso de Malala, a menina muçulmana  Nobel da Paz, ou o famoso discurso I have a Dream de Martin Luther King, também posso apresentar a vida de um santo católico. Os santos foram cidadãos deste mundo e, como tal, têm direito a ser referidos nas escolas deste mundo, sem que isso signifique fazer catequese ou violar a separação entre Igreja e Estado.

E agora, se me dão licença, vou acabar de preparar a minha aula!

2 Comments

  1. Helena Atalaia

    Excelente!! Obrigada pelo post 🙂

  2. Também agradeço. Gostei muito. Com estes exemplos podemos modificar a nossa vida. e ser mais feliz.

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