Em Caná da Galileia...


A família de Deus

O batismo faz de nós filhos de Deus. Ao nascermos como filhos de Deus, nascemos naturalmente como irmãos dos outros filhos de Deus, queiramos ou não. O processo é semelhante ao nascimento na família humana: tal como ninguém pede para nascer, também ninguém devia precisar de pedir para ser batizado; tal como, ao nascer, uma criança é imediatamente acolhida numa família concreta, também o bebé que é batizado é acolhido no seio da Igreja; tal como a criança, ao nascer, é recebida pelos irmãos mais velhos, que não escolhe nem pode recusar, também a criança que é batizada é recebida por todos os outros filhos do mesmo Pai – os mais simpáticos e os menos simpáticos, os mais crentes e os menos crentes.

Claro que tudo isto pode ser feito ao contrário, tal como nas famílias humanas as crianças podem ser adotadas em idades tardias pelos mais variados motivos, e não deixam por isso de ser felizes e recuperar a pertença familiar! Se há coisa bonita no amor de Deus, é esta oportunidade sempre nova, a cada dia, de refazer uma vida inteira, até, se preciso for, no momento da morte, como nos mostra o episódio do Bom Ladrão. Mas hoje queria falar-vos do processo natural de nascimento e inserção na família humana e na família de Deus.

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Cito o Catecismo da Igreja Católica:

O Batismo faz de nós membros do corpo de Cristo. O Batismo incorpora na Igreja. Das fontes batismais nasce o único povo de Deus da Nova Aliança, que ultrapassa todos os limites naturais ou humanos das nações, das culturas, das raças e dos sexos. (Nº 1267)

E S. Paulo explica:

Por isso é que todos nós fomos batizados num só Espírito, para formarmos um só Corpo. (1Cor 12, 13)

Pensando em uníssono com S. Paulo e com o Catecismo, é muito difícil compreender a noção de um “Batismo privado”, especialmente aquele que é feito no final da missa e dela separado, esvaziando-se a igreja para que a criança fique rodeada apenas da sua família natural e dos seus amigos. Pois se o Batismo nos insere na grande família dos filhos de Deus, que fazemos nós, celebrando este dom apenas com os que já eram da nossa família, do nosso círculo de amigos?

Batizar uma criança é trazê-la a esta nova e imensa família, que se reúne na casa do Pai todos os domingos, para celebrar o seu amor. Se sou batizado, estou sentado na igreja ao lado de estranhos a quem chamo irmãos. O pobre mal cheiroso ou o rico cheio de perfume que se sentam a meu lado no banco da igreja; o cantor desafinado ou o coro encantador que solenizam a cerimónia; as crianças barulhentas ou os adultos distraídos que brincam com o seu telemóvel; o rapaz simpático e a senhora maternal, o velho e o novo, o celibatário e a mãe de muitos filhos, o santo e o pecador, todos – todos! – são agora meus irmãos e minhas irmãs, e é nesta família que eu quero inserir o bebé que Deus me oferece.

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Foi, aliás, esta a grande novidade de Jesus. No seu tempo, não passava pela cabeça do povo judeu que o próximo, o irmão, a irmã, o marido ou a mulher fossem de outra raça, tribo ou nação. As pessoas casavam-se dentro da sua tribo e a religião judaica era uma religião de raça, de povo, a que se pertencia por direito de nascimento. Jesus chocou o seu povo ao propor um conceito alargado de próximo, de família e de religião:

Meus irmãos, minhas irmãs e minha mãe são aqueles que escutam a Minha Palavra e a põem em prática. (Lc 8, 21)

Tenho refletido muito nisto, ao dar-me conta de que nem todos os bebés são batizados durante a missa dominical. Eu estava sinceramente convencida que sim, porque no nosso caso – e os nossos filhos foram batizados em três paróquias diferentes – nunca se colocou outra questão. Mas no dia do Batismo do Inácio, fiquei a saber que, na verdade, em muitos lugares – incluindo na paróquia do Inácio – o Batismo durante a Eucaristia é a exceção e não a regra. Não entendam isto como uma crítica aos sacerdotes ou aos paroquianos! Eu sei que, nos séculos passados, era assim que se celebrava o batismo, no dia ou dias a seguir ao parto. Mas a reflexão da Igreja vai evoluindo também, e todos juntos podemos aprofundar o mistério de Deus.

Depois da missa dominical em que o Inácio foi batizado, juntou-se no fundo da igreja um grupo de pessoas que vinham para o batizado de uma menina. Esperaram pacientemente que a igreja esvaziasse, que a família de Deus saísse, para apresentarem a sua filha ao Senhor – e à Igreja. Que estranho, pensei… Foi quando uma outra Mãe de Caná ali presente me contou da sua luta, há alguns anos, para batizar os seus filhos dentro da missa, prática não aceite na sua paróquia.  Esta mãe acabou por ir à missa com a família, mas teve de esperar pelo final da mesma e pelo esvaziamento da igreja para batizar o seu bebé. A mim, soa-me como entrar numa casa pela porta dos fundos.

Depois de batizar o Inácio, em plena Eucaristia dominical, o padre Miguel pegou nele com muito jeitinho e levantou-o bem alto, para que a sua nova família o pudesse contemplar. A igreja rompeu em aplausos, e os rostos iluminaram-se de lágrimas e sorrisos… Nascia para todos um novo irmão.

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10 Comments

  1. Pilar Pereira

    Deixas aqui uma boa reflexão, Teresa!
    Antes de casar e ter filhos, presenciei inúmeros batizados no contexto de uma igreja cheia. Quando eu e o Rogério fomos tratar do Batizado da mais velha e da segunda também, não se colocou a hipótese de ser durante a missa. Se não me falha a memória, o padre disse-nos que era complicado fazer batizados nessa altura porque demorava mais a celebração, que era raro acontecer (depois de ler o teu texto, começo a desconfiar que só os bebés dos pais mais insistentes é que tiveram esse privilégio!). Curiosamente, quando fomos tratar do batizado do terceiro, o pároco disse-nos que, sendo o terceiro, “tinha direito” ao batizado inserido na missa, mas… não se referia a uma missa paroquial, e sim a uma missa celebrada especificamente para nós! E foi isso que aconteceu.
    Sinceramente, sempre que testemunhei um Batismo de uma criança, que não conhecia, numa missa, alegrei-me com isso e sempre achei que o mesmo se passava com as pessoas ao meu redor.
    Não vou negar a única vantagem que reconheço nos batizados à parte: todos os familiares da criança têm lugar sentado…
    No batizado da nossa quarta criança, se Deus quiser, poderemos viver uma experiência diferente. Entretanto o pároco mudou e pode ser que tenha uma perspetiva diferente a respeito dos batizados (não quero com isto dizer que o anterior não pudesse ser convencido – nós é que também não pensámos muito nesta questão, na altura). Veremos! 🙂

    • A questão do demorar mais a celebração, que tu e outros comentadores levantaram, lembra-me uma frase de um livro maravilhoso que li há pouco tempo e que aproveito para partilhar aqui. Um sacerdote americano dizia que, segundo S. Paulo – e citava – “há um só batismo, um só Senhor, uma só fé”. Mas segundo os católicos, acrescentava: “e uma só hora”. Depois perguntava: onde está escrito que a missa dominical não pode ultrapassar uma hora? Compreendo os párocos que, dada a falta de vocações, andam a correr de paróquia em paróquia, mas não compreendo os paroquianos que não aceitam mais dez ou quinze (nunca ultrapassa os quinze) minutos para Deus e para acolher um novo irmão. Hoje, na verdade, contabilizamos tudo, e até os minutos festivos da nossa família de Deus nos parecem excessivos, quando devíamos antes rejubilar por termos razões para alargar um pouco o tempo de celebração! Na nossa paróquia temos muitos batismos, e de maio a setembro temos praticamente todos os domingos. No momento em que os bebés são batizados, há sempre um sorriso geral a percorrer os paroquianos como uma onda contagiante. É tão bonito!

  2. Olívia Batista

    É verdade Teresa. Na grande maioria das paróquias aqui na região também se fazem batismos fora da Eucaristia, mas por uma razão de logística, é mais fácil escolher uma hora “que dê jeito a todos”. Pelo que percebi, no nosso caso como vamos sempre juntos à missa (bebé incluído) nunca se colocou essa questão. Bastou pedir se podia ser nos dias que escolhemos. Penso que é uma questão muito importante, assim como o sacramento do matrimónio não ser celebrado durante a Eucaristia na maior parte das vezes “para não se tornar cansativo”…

  3. Vera Rodrigues

    Graças a Deus vivo numa paróquia onde a exceção é os batizados serem fora da missa paroquial. Quase sempre fica ao critério dos pais fazer o batismo inserido na eucaristia dominical ou fora dela.

  4. Na minha paróquia celebram-se várias missas ao domingo, mas ser celebrado um batismo na missa é a exceção. É uma paróquia tão grande que, se fosse permitido, todas as semanas haveria batizados na missa, o que alonga muito as celebrações.
    Mas em todo o lado há famílias que preferem batizar os filhos numa missa privada, para poderem escolher os cânticos, os leitores, etc. É claro que, numa paróquia pequena, é possível a família escolher os cânticos da missa dominical, mas numa paróquia em que cada missa tem cerca de 200 paroquianos, é impossível, o que faz as famílias sentirem que a missa está a ser celebrada como se fosse um dia qualquer.

    • Obrigada pelo comentário! Eu não penso que numa paróquia pequena se possam escolher os cânticos, pois à partida, quem trata disso será o grupo coral, mesmo que sejam poucos paroquianos. Nem tal seria desejável, pois a escolha de cânticos exige estudo e conhecimentos. A questão, para mim, é precisamente esta: a missa “celebrada como se fosse um dia qualquer” é o cume e o centro da nossa vida, e não precisamos de escolher cânticos ou leituras – especialmente leituras – para ser especial. Julgo que esta é a grande caminhada que falta fazer no povo de Deus, e eu própria a fui fazendo com o tempo, devagarinho… Antes de vir para Mogofores, nunca tive qualquer influência na escolha dos cânticos nos batismos dos meus filhos, mas não senti a menor falta de o fazer: a cerimónia do batismo é tão plena, tão rica, e cada gesto tão belo, que tudo o resto é secundário.
      Especial, sim, é para todos os paroquianos o acolhimento de um novo irmão, acabadinho de nascer para a vida eterna! Isso só por si é festa e júbilo. Um Santo Natal!

      • Eu não queria dizer que concordo com esta mentalidade, apenas explicar que existem muitos pais que preferem o batismo em privado.
        E também explicar como é viver numa paróquia “de massas”, em que o batismo de um bebé é só um no meio de 200 que se celebram todos os anos. A pessoa pode sentir-se “esmagada” por tratarem este sacramento tão especial como uma rotina.
        Quanto às leituras, realmente penso que é importante haver uma leitura sobre o batismo quando se vai celebrar este sacramento.

  5. Teresa, obrigada por estes posts sobre o batismo. Sugiro um sobre a escolha dos padrinhos, é sempre um tema tão mal compreendido…

  6. Olá Teresa,
    pela primeira vez depois de alguns anos que acompanho a Família Power deixo aqui um primeiro comentário.
    Tão boa esta reflexão sobre o batismo, agora que estou a grávida de 23 semana do João Maria (nosso primeiro filho). Realmente continuando a reflexão do post anterior a nossa preparação para o batismo do João Maria já vem sendo feita na gravidez…temos vindo a refletir e preparar nos nossos corações também para esse momento tão especial. No contexto da nossa paróquia raramente são celebrados os batismos na Eucaristia e temos vindo a pensar como iremos conseguir gerir a nossa vontade com a do nosso pároco.
    Quanto à sugestão da Maria do Mar sobre a escolha dos padrinhos…também gostaria de ver um post sobre esse tema. Pois, ainda existe uma tradição muito enraizada que a nós nos incomoda. O facto dos padrinhos terem que ser da família, principalmente tios. E por vezes quando a escolha não é feita neste sentido é muito mal compreendida.
    Obrigada Teresa pela partilha!

  7. Cristóvão Duarte Sousa

    Olá!
    Na nossa antiga paróquia (São João Baptista, Coimbra), onde foram batizadas as nossas três filhas, o baptismo é um acontecimento central na missa dominical. O Padre Jorge faz questão de os pais e os padrinhos ficarem com o bebé á porta da igreja, onde, depois a assembleia já ter entrado, vai perguntar o que os pais desejam para a criança (“O batismo!”) e convida-os a entrar.
    Para os pais que quiserem –e nós quisémos– o baptismo é por imersão na água da pia baptismal (água aquecida), e só depois é vestida a “veste branca” ao baptizado (antes está com roupa normal do dia-a-dia). Pode parecer um rito anormal, mas na verdade este é o rito mais “significativo”, sendo que o mais comum de derramar a água na cabeça é o rito alternativo, como dizem os parágrafos 1239 e 1240 do Catecismos da Igreja Católica. Foto aqui: https://goo.gl/photos/3qrWgJq1P7WFpswEA

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