Em Caná da Galileia...


Oração familiar e oração pessoal

Quando se fala em oração familiar, muitas pessoas entram em pânico: como vamos conseguir partilhar com a nossa família o que de mais profundo sentimos? Como podemos abrir assim o coração diante uns dos outros, trazendo à luz a nossa intimidade?

Depois de escutar uma e outra vez estas perguntas, percebi que o problema reside na confusão entre oração pessoal e oração familiar. Porque elas não são a mesma coisa!

A minha oração pessoal é a linguagem de amor que eu partilho unicamente com o meu Senhor. Ninguém, nem mesmo o Niall, imagina as conversas íntimas que tenho com Jesus, as coisas que Lhe digo, as palavras e os silêncios que trocamos. Tal como eu não conheço o conteúdo da oração pessoal do Niall. É uma questão de pudor, semelhante ao que existe na relação conjugal, que procuramos resguardar dos olhares de fora.

É bom guardar o segredo do Rei. (Tb 12, 11)

Assim se expressa o anjo Rafael a Tobite, justificando o seu silêncio. Todas as manhãs, eu entro no Santuário de Nossa Senhora Auxiliadora e, de joelhos diante do sacrário, rezo. Sozinha numa igreja imensa, às vezes ao som da música de fundo que o senhor padre Taveira gosta de ali colocar, eu abro totalmente o meu coração a Jesus. Às vezes canto, às vezes choro, às vezes falo em voz alta, às vezes não digo nada. Sei que Jesus entende até o que fica por dizer. Sei que sou amada e procuro retribuir este amor da minha forma desajeitada de ser cristã. Não conto a ninguém o conteúdo destas conversas, destes silêncios, destas trocas de amor. A ninguém.

Mas ao fim da tarde, chega o momento central do dia da nossa família, de qualquer Família de Caná: a hora da Oração Familiar. O que é isto?

Como em qualquer comunidade monástica ou religiosa, também na comunidade familiar a oração precisa de um ritmo, de uma rotina, para que a hesitação e a incerteza não causem desconforto. A função das rotinas é precisamente descomplicar, transmitir segurança, tornando naturais os gestos que as compõem. Claro que as rotinas têm de ser revistas continuamente, adaptadas ao crescimento da família!

Partilho convosco a forma como rezamos em nossa casa, como mera sugestão, ou como ponto de partida para criardes também a vossa rotina de oração:

Começamos por cantar. Cantar, dançar, bater palmas, são formas fantásticas de elevar o pensamento para o Senhor e de permitir que relaxemos e nos afastemos dos problemas e dos trabalhos do dia. O canto dá uma tonalidade alegre e simples à oração familiar, fazendo com que todos se sintam serenos.

Depois, rezamos juntos algumas orações simples: o Shemá, a Consagração a Nossa Senhora, a ladainha dos nossos santos padroeiros.

Em seguida, escutamos a Palavra de Deus, através das leituras da missa diária e, sempre que necessário, recorrendo ao Catecismo da Igreja Católica. A Tradição chama a esta forma de oração “Leccio Divina”. Será possível fazer tal oração com as crianças? Oh, elas são mestras em Leccio Divina! Porque elas escutam a Palavra colocando-se naturalmente dentro da história que ouvem: “Ah, se eu fosse aquela senhora que Jesus curou não tinha medo de dizer que era eu!” “Olha o tolo do fariseu, a refilar porque Jesus curava ao sábado! Por que é que ele não repara antes nos milagres de Jesus? Que sorte a dele, estar ali, mas não a sabe aproveitar!” Entramos no Evangelho para o trazermos para a vida. É aqui que, com frequência, conversamos sobre o que acontece na escola, no trabalho, na brincadeira, sobre o que os meios de comunicação social procuram dizer, e do contraste ou da semelhança entre tudo isto e a Palavra de Deus. Terminamos a nossa reflexão com um propósito que queremos pôr em prática. Belíssima oração!

Chega a hora de louvar, interceder, pedir, agradecer. Podemos fazê-lo em voz alta, e não precisa de ser intimista, de desnudar a nossa alma! Geralmente, concedemo-nos uns minutos de silêncio, para que todos possamos falar com Jesus na intimidade do nosso coração. Quando, por fim, rezamos em voz alta, partilhamos intenções e ações de graças com que todos nos identificamos: “Obrigada, Jesus, porque hoje ajudei um amigo” “Jesus, cura o João Maria!” “Jesus, abençoa a nossa paróquia.” “Eu te louvo, Jesus, porque Tu nos amas.”

Finalmente, rezamos o Terço. Tal como a meditação da Palavra de Deus, também o Terço se adequa na perfeição à comunidade familiar. Esta oração permite que estejamos todos, novos e velhos, filhos e pais, a rezar com as mesmas palavras, ao mesmo ritmo, enquanto cada um está a ter uma experiência diferente com o seu Senhor, no íntimo do seu coração:  as crianças pequenas, por exemplo, talvez se concentrem no significado das palavras da Avé-Maria, os mais velhos podem estar a rezar e a meditar no Mistério enunciado, outros podem simplesmente contemplar o amor de Deus manifestado nesse mesmo Mistério. A Avé-Maria que a mãe reza pode estar repassada de súplica, e a que o pai reza pode ser uma expressão de gratidão. O filho pode rezar a Avé-Maria procurando acalmar interiormente a sua agitação por causa de algum problema na escola, o irmão pode rezar a Avé-Maria transbordando de felicidade porque o dia foi mesmo bom. A oração do Terço harmoniza a oração pessoal e a oração familiar, fazendo das duas uma só, sem que ninguém viole “o segredo do Rei”, a sua intimidade com o Senhor.

Quanto mais profunda for a nossa oração pessoal, mais profunda se torna a oração familiar; e quanto mais bela se torna a oração familiar, também mais bela se torna a nossa oração pessoal. Uma e outra crescem juntas, em simbiose constante, alimentando-se mutuamente, como plantas que crescem enroladas à volta do mesmo tronco…

4 Comments

  1. Belo texto. Vou partilhar com os pais da catequese familiar. Muitos não sabem como rezar em família…

  2. Catarina Silva

    Lindo texto, devia ser partilhado com todos aqueles que desejam começar/aumentar/melhorar o seu tempo de oração pessoal e familiar. .. E sobretudo ser partilhado com catequistas, pois para mim este texto é uma luz e uma ferramenta de apoio da catequese. Parabéns Teresa e obrigado por conseguir pôr-se no lugar daqueles que “vão mais atrás no caminho” compreender as suas dificuldades e ajudar desta forma magnífica!

  3. Exactamente uma boa lição para todos aprendermos a fazer melhor.

  4. Também gostei muito deste texto, porque também já passei por essa fase! Depois alguém me disse que a oração de uma mãe não é igual à de um pai ou à dos filhos, que cada um precisa de “ir falando” com Deus em cada momento do dia, porque se guardarmos a oração pessoal para o fim do dia o mais certo é adormecermos a meio… é por isso que vou conversando com Deus enquanto tomo o pequeno almoço, arrumo a bancada da cozinha, no carro sozinha… é reconfortante mesmo quando não digo nada e fico à espera a ver se compreendo o que Deus me pede!

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