Em Caná da Galileia...


Um novo ano escolar

Um novo ano letivo começou. Aqui em casa, e porque insistimos em ir à praia e brincar no jardim até ao último momento, isso significou, na semana passada, muitas horas de verdadeiro stress, tentando comprar todos os materiais necessários, encadernar os livros, limpar as mochilas, afiar lápis e procurar borrachas perdidas um pouco por todo o lado. Estas imagens da nossa mesa da sala são-vos familiares?

Graças a Deus, tenho cá em casa um Francisco e uma Clara, que vendo o meu estado de cansaço e a barriga enorme, se dispuseram a fazer tudo o que foi preciso para que nada faltasse nas mochilas dos irmãos. Deus faz tudo bem feito, e permitiu-me uma oitava gravidez aos 46 anos só depois de ter a certeza de que iria ter bons ajudantes 🙂

Material, compras, reuniões de pais, mais reuniões de pais, e mais reuniões de pais ainda, pois este ano tenho cinco filhos em três escolas diferentes (e o Francisco na universidade) e não é fácil estar ao mesmo tempo em todas elas! Por fim, a azáfama acalmou, o grande dia chegou, e as rotinas do ano letivo instalaram-se. Custa um bocadinho organizar os horários, e tive de fazer só para mim um “horário de motorista” para ter a certeza de que não me esqueço de nenhum filho em nenhuma escola, como infelizmente já aconteceu há uns anos (ups!). Enquanto o tempo o permitir, o David e a Lúcia irão para a escola de bicicleta, o que também facilita o meu horário. E que grande alegria é para eles esta independência!

Assim que os entrego a todos, pelas nove horas da manhã – e porque estou de baixa até ao fim da gravidez – dirijo-me ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Auxiliadora. E é aí, em oração silenciosa diante do sacrário, que encontro tudo o que preciso para os desafios diários que vão surgindo. Depois, de regresso a casa, entre os trabalhos no computador, as máquinas de roupa para lavar, a limpeza e arrumação a que não posso fugir e muitas meias-horas simplesmente deitada no sofá a recuperar o fôlego e as forças, eu preparo-me para o encontro feliz a meio da tarde, quando todos regressarem e pudermos, de novo, brincar juntos, trabalhar juntos e conversar sobre as aprendizagens, os amigos, os problemas, os desafios e os tropeços de um dia longe uns dos outros.

“Quando nos encontramos à mesa do jantar e queremos todos falar ao mesmo tempo sobre tudo o que se passou enquanto estivemos longe uns dos outros, então é uma festa”, costuma dizer a Clarinha no nosso testemunho familiar, falando do Tempo de Família que vivemos, sem televisão, ao redor da mesa da cozinha.

Faz bem à família, este partir e este regressar diários, este vaivém contínuo entre a casa e a escola, um pouco como a maré que sobe e desce e, neste movimento incessante, deixa a praia cheia de conchinhas.

Faz bem aos nossos filhos perceber que o mundo é muito vasto e formado por pessoas muito diferentes, e que se há lá fora bons amigos em quem confiar, também há meninos que nos pisam e nos chamam nomes (a grande descoberta da Sara neste início do primeiro ano na “escola grande”!).

Faz bem aos nossos filhos – e a nós – perceber que os professores sabem mais do que os pais sobre muitas coisas (graças a Deus não precisamos saber tudo!), e por isso é preciso escutá-los com muita atenção, respeitá-los e obedecer-lhes. É tão bom quando os nossos filhos admiram um professor!

Mas também faz bem aos nossos filhos perceber que sobre outras coisas, só os pais é que sabem e podem decidir e ensinar, porque se a escola serve para transmitir os conhecimentos do mundo, a família serve para transmitir os conhecimentos da vida e da fé. É tão bom quando os nossos filhos conseguem uma distância crítica em relação aos ensinamentos de um professor! Humildade e bom-senso, confiança e cautela, uma tensão contínua nem sempre fácil de manter, mas essencial em toda a educação cristã.

“Não te preocupes sobre as aulas de educação sexual na escola, mãe, nós estamos a anos-luz dos nossos amigos e professores nesse tema, e nada do que ouvirmos nos vai influenciar para longe dos nossos valores”, descansou-me a Clarinha no ano passado, quando deixou a escola católica e passou para a escola estatal. E também este confronto ajuda a crescer, a fortalecer os valores de casa – e faz bem.

Entreguei-lhes a tua Palavra, e o mundo odiou-os, porque eles não são do mundo, como também Eu não sou do mundo. Não te peço que os retires do mundo, mas que os livres do Maligno. De facto, eles não são do mundo, como também Eu não sou do mundo.” (Jo 17, 14-16)

Os nossos passarinhos vão crescendo, e precisam de treinar os seus voos, de aprender a buscar o alimento e de estender as asas ao sol, e tudo isso só é possível saindo do ninho. Mas também precisam de regressar, uma e outra vez, uma e outra vez, todos os dias durante muitos anos, até ao dia feliz em que, também eles, formarão o seu próprio ninho…

A todos, um feliz ano letivo!

7 Comments

  1. Helena Atalaia

    Obrigada e igualmente! Mas este texto deixou-me a questão: porventura, houve Santos antes da concepção moderna de escola? É realmente necessário esse caminho escolar na família? É que o nosso ano escolar é bem diferente e também há essa alegria 🙂 Sim, houve Santos antes do séc XIX porque a escola não é unicamente o lugar em que se encontra o mundo. Mas, numa questão estou de acordo nunca a escola moderna se mostrou tanto como uma arena para matar cristãos ou para forjar outros. No entanto, o seu dever seria ensinar. Eu coloco-me no lugar do meu filho na 1a semana de aulas e penso que provavelmente não teria a sua disposição na sua idade. O único católico na turma, o único a levar com todos os argumentos de toda uma turma contra a Igreja e desta vez o mote foi a pedofilia. Mas também já foi o ano passado: a eutanásia e a idade medieval em que vivem os católicos. Parece que os debates se destinam a ridicularizar os cristãos. Sim, a escola não é para fracos! Que Deus nos guie e ajude.

    • Helena, não entendi a primeira parte do comentário. Claro que houve santos sem escola, basta pensar nos pastorinhos de Fátima 🙂 Embora cá em casa não sejamos, de todo, adeptos, pelas mais variadas razões, do ensino doméstico, essa nossa posição não tem qualquer relevância no site Famílias de Caná, onde a forma de aprender e ensinar os conteúdos do mundo não importa absolutamente nada. Pois como vimos no retiro sobre a Família Martin, é tudo uma questão cultural, que vai mudando ao longo dos tempos e, neste início de ano letivo, continua a mudar com a flexibilização curricular, etc.
      O que nos importa, sim, é a forma de transmitir a fé. E isso, no Movimento acontece em família, com Tempo de Deus e Tempo de Família. Daí eu nunca abordar aqui no site formas de ensino de conhecimentos científicos. O post, escrevi-o a pensar na grande maioria de meninos e meninas, nossos filhos, que começaram a escola tradicional, porque é a única experiência que conheço, sendo que a minha escrita, como sempre faço, se baseia no que conheço e não no que não conheço. Trata-se de uma partilha, não de uma tomada de posição, pois é esse o estilo dos artigos que vou escrevendo, e saiu-me do coração, das minhas reflexões sobre o que vou vendo à minha volta.
      Acredito no sofrimento do Bernardo. Mas confesso que a minha experiência com seis filhos na escola me diz que 98% do tempo de recreio é passado a falar de tudo, menos de religião. São raríssimas as experiências negativas que os meus filhos reportam sobre os tópicos religiosos ou éticos em que, como escrevi, se sentem a “anos-luz” de distância. Tanto a Clarinha como o Francisco gostaram de passar do colégio católico para a escola estatal no décimo ano e já me disseram para fazer o mesmo com os irmãos que frequentam os salesianos. Na universidade, o Francisco tem inclusive um amigo ateu que, estudando psicologia, quer entrevistar-nos para estudar o papel da religião na vida das pessoas, o que demonstra uma enorme tolerância e sincera amizade entre os dois, cada um sabendo perfeitamente em que mundo se movimenta o outro. E os do primeiro ciclo, estatal, não se apercebem de nenhuma diferença entre eles e os amigos em termos religiosos a não ser, claro, o facto de irem à missa e rezarem diariamente, o que não foi nunca, até agora, motivo de gozo.
      Como professora por vocação, gosto da escola, ou não teria escolhido esta profissão desde sempre, e acredito, porque comprovo, na bondade da maioria dos professores. E por isso, com toda a humildade partilho com eles a educação dos meus filhos, reservando-me os assuntos em que ninguém senão os pais podem decidir. Bj!

      • Helena Atalaia

        Querida Teresa, a questão é mesmo a que coloquei a mim mesma ao ler este texto que transparece a vossa experiência e me deverá ajudar a questionar a minha. Na nossa experiência tanto a escola como o ensino doméstico são caminhos possíveis e os dois podem ser bons depende de cada família e até de cada criança. Não tenho pena pelo Bernardo e pela sua experiência em algumas aulas porque o tem feito crescer e questionar as razões da sua fé. Na realidade, agradeço as adversidades. Agora a realidade de cada um e as suas decisões são muito diferentes de família para família. Acima de tudo prezo a liberdade da escolha … embora com todos os condicionalismos. Um exemplo: serei livre de escolher a escola que me ajuda na educação dos meus filhos ou o dinheiro é um constrangimento? Dentro das possibilidades de cada família e a sua realidade local, que é muito assimétrica, penso que cada uma deverá ter a liberdade da escolha. E essa escolha passa também pelo ensino doméstico que para a nossa família é um caminho de saída para a comunidade. Por isso, entre escola estatal, escola católica ou ensino doméstico o mundo está aí para quem o quer abraçar e amar ao exemplo do Evangelho. Um beijinho.

        • Obrigada, Helena! É, de facto, uma discussão que não cabe neste site, a das diferentes modalidades de ensino, precisamente porque não é relevante para o Movimento 🙂 Bj!

  2. Um feliz ano letivo também para vocês!
    Cá em casa estamos finalmente a entrar no ritmo… e só temos 3 filhos! Esta semana falava com uma mãe atormentada porque pela primeira vez iria ter um filho na escola, acho que existe demasiada pressão quer nos pais, quer nas crianças! No 5º ano, por exemplo, à excepção de dois ou três, muitos já levam telemóvel (pode ser preciso alguma coisa)! Ser uma família com ideias um bocadinho diferentes da maioria às vezes é desafiante, mas muito motivador… perceber que as minhas filhas não têm vergonha de dizer que rezam em em casa ou que vão à missa é uma grande alegria! E é para elas uma grande descoberta encontrar alguém que também o faça!
    De facto viver no mundo sem ser do mundo não é fácil, mas há que insistir, porque só pelo exemplo conseguiremos ser respeitados e até talvez converter alguém… e só podemos dar o exemplo se sairmos para o mundo!

    • Felicidades para todos, Olívia! Força aí! Sim, a pressão sobre os pais é enorme. Mas há muito que aprendi a ignorá-la. Aprendi isso com uma amiga, mãe de nove filhos. Foi ela que me foi mostrando como viver relaxadamente mesmo que nos critiquem por nos esquecermos de vez em quando do lanche de um filho ou porque os meninos não têm os cadernos mais bonitos da turma, ou simplesmente porque nem sempre consigo ir à escola – às escolas – todos os períodos saber informações 🙂 Pouco a pouco, aprendi a rir-me dos comentários que vão chegando, e a ensinar os meus filhos a rirem-se também. Bj!

  3. Deus vos suporte e encha de bênçãos neste empreendimento, só este pode ser o caminho, ser fermento na massa. Testemunho na primeira pessoa o confronto que vivi desde criança pelo contraste entre as linhas orientadoras e vivência familiares (evangélicas) e os diferentes ambientes escolares: atitudes, ideias e até não permissão para participar em actividades concretas. Teve momentos muito difíceis na altura, como criança e adolescente, mas indubitavelmente edificantes e sem a qual, edificação, não teria como adulta a mesma robustez espiritual, para mim própria e para estar onde for chamada neste mundo. É com alguma inquietação que, entre João de Deus, colégio da congregação de S. José de Cluny e escolas públicas, foi no colégio que os contrastes foram mais notórios…

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