Em Caná da Galileia...


A suspensão das missas e a nossa fome

Acabo de escutar a norma da Conferência Episcopal Portuguesa, suspendendo a celebração comunitária da Eucaristia, diária e dominical, nos próximos tempos. Obedecendo, como sempre, aos nossos bispos, permito-me contudo algumas reflexões e deixo um desafio.

Desde os tempos da Igreja primitiva, os cristãos ficaram conhecidos por se aventurarem onde mais ninguém se aventurava, cuidando dos leprosos, das vítimas da peste, dos tuberculosos, dos doentes com SIDA. Há milhares de mártires entre os cristãos que, sem medo de serem contagiados por cada uma destas doenças sempre mortais, dedicaram o seu tempo a servir os outros. Mártires da Eucaristia, capazes de levar o Senhor Vivo aos doentes mais contagiosos, e dando assim a vida por eles – e por Ele. Mártires do Amor, servindo sem procurar nada em troca, nem sequer a saúde – que pelo que me é dado perceber nestes dias loucos, subiu à categoria de bem principal, acima do amor, da fé, da paz. E não, a saúde não está acima do amor, da fé ou da paz.

Nos países de perseguição religiosa, nos nossos tempos, há cristãos que todos os dias arriscam a vida para não faltarem à Eucaristia. Muitos não regressam a casa. Morrem no caminho. Fica lá longe, não nos damos conta aqui neste nosso primeiro mundo…

Nos campos de concentração nazis e comunistas, há histórias lindíssimas de santos que, a morrer de fome, arriscando a tortura, celebravam a Eucaristia às escondidas, nas celas dos sacerdotes, com uma migalha de pão e três gotas de vinho. Já foi no século passado…

Jesus Eucaristia é o mesmo Jesus que passou fazendo o bem, por toda a Judeia e Galileia. À sua beira, todos ficavam curados. Tocando ao menos a orla do seu manto, de imediato se recuperava a saúde, a paz e a alegria. Onde Jesus está, tudo está bem.

Toda a multidão procurava tocar-Lhe, porque emanava d’Ele uma força, que a todos curava. (Lc 6, 19)

Já não acreditamos nisso?

Por muito grande que seja a crise, os supermercados não vão fechar, porque as pessoas não podem viver sem pão. Vão apenas moderar o número de visitantes de cada vez, para evitar as concentrações de pessoas. Imagine-se que fechavam, a fome que seria!

A Eucaristia é o nosso Pão. Não podemos viver sem ela. Sem Jesus, morremos de fome e de sede. Literalmente. Não se trata de uma imagem bonita ou profunda, trata-se da verdade mais preciosa da nossa fé. E a vida eterna não tem preço. Aliás, tem: o Corpo e o Sangue do meu Senhor, na Cruz. E na Eucaristia.

Estou profundamente convencida de que nenhum vírus nos pode atingir durante a celebração da Eucaristia, a não ser que o Senhor prefira que sejamos mártires da fé. Em ambos os casos, estou perfeitamente tranquila, pois como dizia Joselito do México, “não há caminho mais curto para o Paraíso”, e aqui nesta vida, estamos todos a caminho de Casa. Mas Jesus Eucarístico é o melhor remédio que alguém pode tomar, e por isso, não vejo como a Eucaristia nos possa trazer o corona vírus. Sou, no entanto, chamada a confiar no meu bispo, como ovelha no seu pastor.

Mas porque esta situação é inédita na História da Igreja, está certamente aberta a debate, sem negar a obediência. Até porque o Santo Padre não se tem mostrado muito favorável a este tipo de medidas. Há certamente alternativas a igrejas cheias (vá lá, não andavam assim tão cheias, não é verdade?), e é isso que precisamos de descobrir.

Os profissionais de saúde já não sabem o que são turnos, trabalham, se preciso, 24 horas seguidas, ignoram o cansaço e esquecem o medo de, também eles, sobretudo eles, serem contagiados. Os profissionais de saúde são verdadeiros heróis da caridade, servindo sem relógio, dando tudo o que têm e sem nada a sobrar para si. Fazem-me lembrar os santos que assim se gastaram ao serviço, e continuam a gastar. Deus os abençoe!

Precisamos então que os sacerdotes imitem os profissionais de saúde, ignorando o medo e o cansaço, como a Igreja de todos os tempos, e passem o dia e a noite a levar a Eucaristia às casas dos fiéis que não puderem viver sem Ela, para que não morram de fome. Não estão proibidos de o fazer, segundo me foi dado perceber pela norma divulgada. Não foi o Papa que o disse? Os tempos de crise foram sempre tempos de uma enorme criatividade, sob o impulso do Espírito Santo, e o nosso sê-lo-á também. Deus abençoe os sacerdotes!

Já enviei um e-mail ao meu pároco, oferecendo-me como ministra extraordinária da Comunhão, se precisar de ajuda para distribuir a Eucaristia…

 

 

 

23 Comments

  1. Sónia Santos

    Concordo plenamente Teresa! Desdobrem-se os sacerdotes e os ministros extraordinários da comunhão e vão às famílias que o solicitarem. Antes multipliquem-se as missas para que apenas 10 pessoas (por exemplo!) de cada vez celebrem a Eucaristía cumprindo as devidas distâncias e tomando a Eucaristía pela sua própria mão (sem ser da mão do sacerdote).
    Os supermercados não vão fechar, vai apenas moderar-se o número de pessoas de cada vez dentro dos estabelecimentos…
    Ora, se alimentar o corpo é um bem essencial que será garantido, alimentar o espírito em tempo de crise e angustia não será um bem maior?
    Ou a Eucaristía é no fim de contas só um acto simbólico e não essencial que se pode perfeitamente dispensar…?

  2. Isabel Miguel

    Olá Teresa, eu concordo consigo. Na minha opinião podiam se suspender alguns eventos religiosos, mas a eucaristia não! As pessoas são livres, só ia quem assim entendesse. Não deviam “privar” quem quer participar! Que Deus nos abençoe.

  3. Fiquei atónita, ainda estou atónita…

    Mas haverá desígnios superiores que certamente terão tutelado a decisão. Que a nossa Fé se fortaleça, que nos saibamos deixar guiar pelo Espírito Santo…

  4. Intesifiquemos as nossas orações familiares, nas nossas pequenas igrejas domésticas. Nestes dias confusos e de medo, confiemos.
    Espero que possamos cá em casa receber a Sagrada Comunhão, ainda não sei bem como, aguardo indicações do nosso pároco.

  5. Catarina Silva

    Teresa, como sabe, eu não posso comungar. Mas celebrar a Eucaristia, mesmo sem poder comungar, já me bastava para, pelo menos, minimizar a minha fome e a minha sede. Poder estar de joelhos em adoração… Aqueles breves momentos eram imprescindíveis para mim. Participar na celebração da Eucaristia, só participar, é tudo o que eu tenho. Tudo o que eu posso…
    E agora? Como preencho este vazio?

  6. Para quem visita este site pela primeira vez por causa deste artigo, gostaria de deixar aqui uma pequena nota: de acordo com o que por aqui partilhamos, não são aprovados comentários onde se insulte diretamente alguém, incluindo a mim. Todos os comentários insultuosos serão imediatamente eliminados. Assim, acabo de eliminar um comentário, mas não o quero deixar sem resposta. Aqui fica: sim, acredito profundamente no poder curativo da Eucaristia. Sim, acredito profundamente que não podemos viver sem Pão Eucarístico. Sim, estaria disposta a arriscar a vida para cuidar de um doente de corona vírus ou qualquer outra doença infeciosa, se assim me fosse pedido (por exemplo, levando a comunhão, já que não sei de enfermagem), sem qualquer hesitação. Sim, mesmo tendo uma família a meu cargo, porque acima da minha família está Jesus e o seu Amor. Não, não tenho, nem um bocadinho, medo de morrer. Não, não sou fanática – só crente. E uma crente muito, muito pecadora. Queridos amigos, comentem à vontade, mas respeitemo-nos uns aos outros quando discordamos. Ab

    • Que grande alegria!
      “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo.”
      Tudo dito! Obrigada, Teresa!
      Um grande abraço em Cristo!

  7. Sou ateia e como tal só acredito no poder curativo da ciência. No entanto, respeito a fé, qualquer que ela seja, e não deixo de admirar a força e integridade com que a Teresa a vive.

    Sofia

    • Bem vinda aos comentários, Sofia! Acredito consigo no poder curativo da ciência, que é, para nós cristãos, um magnífico dom de Deus! Ab!

  8. Rogério Tavares Ribeiro

    No ano de 304, durante as perseguições, um grupo de cristãos do norte de África, foram surpreendidos a celebrar a Missa numa casa e foram presos. O procônsul romano, no interrogatório, perguntou-lhes por que se tinham reunido, sabendo que era absolutamente proibido. E eles responderam: 《Não podemos viver sem o domingo》.
    Que significava: não podemos viver sem Eucaristia.
    Neste momento também me sinto assim! Após 16 anos a alimentar-me com Pão Eucarístico ininterruptamente não sei como vou satisfazer o meu desejo de Jesus!

    • Pois é, Rogério, se fosse o Estado a impedir-nos de ir à missa, teríamos de imitar esses valorosos cristãos e desobedecer, arriscando a prisão de preciso fosse. Mas não é o Estado, é a própria Igreja a quem devemos obediência, além de que nós, leigos, não temos como consagrar a Eucaristia… Estou tão confusa quanto o Rogério! Obedeçamos e confiemos no Espírito Santo!

  9. Boa noite Teresa!
    Desta vez o caso é mesmo grave e os médicos (que estão a ser muito corajosos) tomam todas as medidas possíveis para se protegerem (tenho uma irmã a trabalhar no hospital com mais casos), por isso Teresa se gor o caso de a aceitarem como ministra tome também todas as proteções possíveis. Entendo a decisão dos Bispos, porque em muitas paróquias como a minha os que participam na Missa são os mais idosos que correm mais riscos de contágio. E só pelo facto de estar muita gente junta já existe um risco acrescido. Como a Teresa sempre diz Deus irá redirecionar o GPS e encontraremos alternativa para não ficarmos privados da Eucaristia. Vou também entrar em contacto com o meu pároco. Fiquem com Deus, em casa de preferência.

    • Olá Sara!
      Todos sabemos, e nunca pus isso sequer em questão, que a situação é muito grave. Quem ousa questionar isso? Todos temos medidas a cumprir, e aqui estamos nós, no dia dos 19 anos da Clarinha, depois de cancelarmos a festa e o passeio prometido há tanto tempo, tão ansiado por todos em família. Nunca me passou pela cabeça não cumprir as ordens sanitárias. Aceito também as indicações dos meus bispos em obediência, mas não as compreendo. Enquanto não fecharem os supermercados, não aceitarei, interiormente, que fechem as igrejas. O pão é pão, bem essencial (mais essencial que papel higiénico, desculpe a brincadeira), em ambos os lugares. E, já agora, outra pequena brincadeira mas a falar a sério: cancelar as catequeses era por si só uma medida suficiente para, na maioria das igrejas, se conseguir que as pessoas ficassem a um metro umas das outras. Não foi essa a conclusão das últimas reuniões dos nossos bispos, que tanta polémica causou, sobre a diminuição do número dos fiéis praticantes? Em relação a distribuir a comunhão, o meu pároco informou-se a meu pedido e não, não será possível. Ninguém deverá comungar, a não ser os doentes. Bj

      • É verdade que sem catequese fica muito espaço livre!
        Muitos Parabéns para a Clarinha! Vão concerteza ter muito tempo para fazer o passeio mais tarde!

  10. Muito, muito, muito obrigada Teresa, pelas suas palavras! Tenho tentado explicar exatamente isso, mas não tão bem como o fez! Agora já posso partilhar o seu texto em vez de tentar palrar😁
    E como é bom ver que não estamos sós neste caminho por vezes tão tortuoso de Amar a Deus sobre todas as coisas!
    Deus a abençoe e a toda a sua família!

  11. Crenças à parte, é uma questão de saúde pública… mesmo. Por favor isolem-se. Protejam os mais velhos.
    Garantamos que há capacidade médica para tratar quem precisa, achatando a curva.

    É só isto. Seja Deus. Seja o estado. Sejam quais forem as crenças. É só isto – ISOLAR! Ficar em casa!

  12. “Esta dolorosa experiência apresenta-se como um sinal dos tempos de que o homem não é Deus de si próprio nem a ciência e a tecnologia encerram a última palavra de Esperança”, sublinha o arcebispo de Évora.

    • Sara, ainda hoje saiu uma notícia sobre as medidas da câmara de Coimbra sobre a gestão das esplanadas, cujo objetivo será reduzir o número de conjuntos e aumentar a distância entre eles… Esplanadas, Sara…
      Porque é que é tão urgente criar ideias para proteger o mínimo de funcionamento em “bens” de última necessidade (talvez por uma questão de preservação da economia) e é tão descabido, até para um cristão, virarem-se do avesso em ideias para garantir um bem tão essencial como a eucarística? É só os sacerdotes se elevarem àquilo que é realmente a sua função e missão… Sacerdotes, pelo amor de Deus, não fiquem no sofá….! Por estes dias corre por aí medo, angústia, desesperança. Sejam os cristãos, padres e consagrados em primeiro lugar, a fazer a diferença!

      • Eu sei Sónia que muitas pessoas estão a encarar isto de ânimo leve… Só espero que não se venham a arrepender amargamente…

  13. Bom dia Teresa e todos os que por aqui passam e fazem deste espaço, o seu cantinho de oração e reflexão.
    Ontem, perante as notícias, de repente “faltou-me o chão”, nitidamente. Tenho quase setenta anos com uma vida de Fé…
    Tive a impressão de ter sido “raptada e largada no DESERTO”. Claro, estamos na Quaresma, Tempo de deserto. Vejo esta situação que vivemos, como uma pancada no peito, para acordar e dar conta que nada está dado como adquirido. NUNCA imaginei que a igreja da minha paróquia fecharia as portas e não teríamos Eucaristia…Sinto que vou “morrer à fome”… sem Jesus Eucarístico. DESERTO, é o que sinto e à semelhança de Jesus, vou procurar alimento na Palavra de Deus…

  14. Gostei bastante do post! Muito boa reflexão! Sem questionar a necessidade de fazer respeitar o distanciamento social, e da opção tomada de suspender as missas, seria uma boa opção levar a comunhão a casa, mas não sei se haverá essa hipótese na nossa paróquia!
    E muitos parabéns para a Clarinha!

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