Em Caná da Galileia...


Cumpriu-se. Hoje.

Ide à cidade, a casa de tal pessoa, e dizei-lhe:
‘O Mestre manda dizer:
O meu tempo está próximo.
É em tua casa que eu quero celebrar a Páscoa
com os meus discípulos’. (Mt 26, 18)

Há qualquer coisa de novo e de estranhamente belo neste pedido do Mestre. O tempo está próximo, e desta vez, é em minha casa, é em tua casa que Jesus quer celebrar a Páscoa.

Façamos os preparativos então!

A primeira semana já passou. A cabeça andou à roda, o coração ficou pequenino, o espírito revoltou-se, a vida tal como a conhecíamos desmoronou-se.

É em tua casa que quero celebrar a Páscoa! 

A segunda semana está a começar. É preciso deixar a poeira assentar, apanhar os cacos e colá-los de novo, querer o que Deus quer, reconstruir diferente, recomeçar aqui dentro, restabelecer rotinas.

E há qualquer coisa de novo e de estranhamente belo nestas rotinas, sem idas e voltas, e sem marés.

É em tua casa que quero celebrar a Páscoa! 

Chegou o tempo das Igrejas Domésticas. Ele já vinha sendo anunciado e preparado pela Senhora de Caná que, um pouco por todo o mundo, vinha suscitando comunidades e movimentos sob a sua proteção. A oração de consagração das famílias à Mãe de Caná, aqui nascida no Santuário Nacional de Nossa Senhora Auxiliadora, já fora chegando a outros países e a outras casas, humildemente pedida e alegremente partilhada por crentes online.

Chegou a hora de trazer a família para o centro da mensagem cristã. De perceber a estreita união entre os sacramentos da ordem e do matrimónio, e o lugar específico de cada um. De contemplar a grandeza e a simplicidade da casinha de Nazaré.

O Espírito sopra, e nós vamos aprendendo a ler os sinais dos tempos, tão evidentes para Jesus, tão difíceis de interpretar para nós…

É em tua casa que quero celebrar a Páscoa! 

Desde outubro que vínhamos meditando neste mistério imenso que é o ano litúrgico celebrado em família, na maravilha que se esconde por detrás dos gestos mais banais do quotidiano familiar.

Desde outubro que vínhamos descobrindo, juntos, o segredo da vocação a que fomos chamados. Lembram-se? As brincadeiras, a partilha, os piqueniques, a adoração eucarística, o Terço, a alegria e a proximidade…

O Menino do Presépio vive aqui, e é aqui que precisamos de O adorar, dissemos, enquanto reaprendíamos a olhar para os nossos filhos.

Alguém que pegue neste Bebé! Pegámos, de olhos húmidos, coração extasiado.

E agora, este mesmo Menino quer celebrar a Páscoa aqui também. Preparemo-nos!

É em tua casa que quero celebrar a Páscoa! 

Desde outubro que procurávamos responder ao desafio – lembram-se? – de inventar rituais, de construir uma cultura familiar de que nos pudéssemos, todos, orgulhar. Quando foi a última fez que jogámos às cartas em família, perguntámos? O que fizemos juntos no último fim-de-semana?

Agora as respostas surgem rápidas e seguras: ontem. Tudo.

Tudo, incluindo a oração, agora mais solene, agora mais cuidada, agora mais necessária que nunca.

É em tua casa que quero celebrar a Páscoa!

Um arrepio percorre-me o corpo. Em algumas ocasiões da vida é-nos dada a graça de assistir ao cumprimento das Escrituras, bem à frente dos nossos olhos.

Aqui. Agora.

Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir. (Lc 4, 21)

Em minha casa. E na tua…

8 Comments

  1. 😃 que bom ler esta partilha!!!!! Uffa…mesmo bom!
    “Em algumas ocasiões da vida é-nos dada a graça de assistir ao cumprimento das Escrituras, bem à frente dos nossos olhos.” – Deus não se deixa vencer…não só em generosidade! 😊😉

    Obrigada Teresa!

  2. João Miranda Santos

    Se Ele quer, não lho vamos negar certamente!

  3. Célia Canadas

    Maravilhoso🙏🏼

    A clareza com que descreve tudo o que estamos a viver, refletido no que nos dizem as escrituras… é uma benção ler as suas publicações.

    Muito obrigada🙏🏼🙏🏼🙏🏼

  4. Catarina Silva

    Eu sabia que a Teresa ia encontrar um sentido para tudo isto que estamos a viver. Teve só ali um breve momento de desorientação e já encontrou o rumo outra vez! Agradeço ao Senhor a forma, como a ilumina para ajudar quem tem mais dificuldade a perscrutar o caminho. Bj

    • Obrigada, Catarina! Há muita, muita coisa que eu continuo sem entender e que não faz sentido para mim, não se iluda! O que eu tenho percebido, em oração, é que não preciso de entender, apenas acolher como vontade de Deus. E se Ele o quer, longe de mim não o querer também! O que me tem feito arrepios, como escrevi no artigo, é mesmo esta constatação de que a Escritura se cumpre a cada passo. A própria escolha do livro de Job para meditação desta quaresma, o caminho feito este ano nos retiros e aqui no site, tudo concorre para o que agora vivemos… Estejamos atentos aos sinais dos tempos, Catarina! Bjs!

      • Catarina Silva

        E é mesmo a essa atenção que me refiro! Essa capacidade de perscrutar, de ir percebendo os sinais e de no-los mostrar de forma simples e descomplicada… Para mim, a sua maior vocação, Teresa 🙂

  5. antónio assunção

    “… em tua casa”
    Esta expressão Já tinha sido usada por Jesus outras vezes na vida pública… lembram alguma?!…
    Também na recta final do passado século… São João Paulo II escreveu sobre a “casa escola de comunhão”…
    e o Papa Francisco sobre a “… casa comum”…
    Nestes dias em que circulam abundantemente mensagens… (esta é simplesmente mais uma) lembrei-me do ditado do povo “cada cabeça sua sentença”… depois fruto da leitura do livro de Jó dei por mim a contemplar simplesmente o texto deste escrito bíblico onde não há página (não fui exaustivo na procura) onde não haja interrogações (?) e exclamações(!)… inclusive nos Diálogos com Iahweh…
    Todas elas poderão desaguar na última interrogação/exclamação – mensagem – de Jesus: “Meu Deus, Meu Deus porque me (nos) abandonaste?”
    Talvez também aqui (Mateus 27,46) se possa inspirar toda a CRIATIVIDADE (talvez a palavra mais sugerida nestes dias de pandemia) para a vida “em tua casa”… e certamente na “casa comum” e também para a vivência da fé, da esperança e da caridade… na “casa escola de comunhão” onde se celebra a Ceia do Senhor e a Páscoa, agora alicerçada na possibilidade CRIATIVA da reunião de “dois ou três” (Mateus 18,20) nas casas, nas farmácias, nos hospitais…

    • Bem haja, padre Assunção, por esta sua mensagem tão bonita, e também pela conversa telefónica outro dia! Vamos procurando esclarecer dúvidas, acalmar corações, encontrar atalhos no meio desta floresta escura, com criatividade, sim! Aqui em casa já são mais que dois ou três, acho até que somos demasiados para qualquer distanciamento social. Aproveitemos para rezar! Um abraço!

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