Em Caná da Galileia...


Domingo III do Advento, ano A

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

JOÃO DEIXOU-SE BARALHAR POR JESUS…

A Palavra deste domingo é um convite impressionante à alegria. Não deixemos passar a graça de Deus em vão…

Deus tem uma forma muito peculiar de agir (achamos nós!) e um sentido de humor que não para de nos surpreender. De facto, parece que Deus Se diverte carinhosamente a baralhar as nossas convicções e os nossos programas.

No Evangelho de hoje, é João Batista que se sente confuso perante Jesus: “És Tu aquele que há de vir ou devemos esperar outro?” João fora enviado para pregar penitência e conversão, e agora chegava o Messias, e sentava-se à mesa com os pecadores. João faz perguntas, não porque duvida, mas para melhor servir. Como, um dia, Maria também fizera. João deixa-se baralhar por Jesus, permite que o agir de Jesus confunda as suas ideias, deixa que Deus desarrume a sua vida interior e desinquiete as suas certezas.

Saberemos nós ler os sinais dos tempos? Como João Batista diante de Jesus, muitos cristãos hoje sentem-se confusos diante do Papa Francisco. Abramo-nos à novidade do Espírito, levemente untada de humor, e deixemo-nos baralhar! “Dizei aos corações perturbados: não temais!” Porque enquanto vivermos agarrados às nossas certezas e opiniões, enquanto acharmos que dominamos a forma de agir de Deus e que Ele nunca nos apanhará desprevenidos, não poderemos acolher o Natal.

O Natal – como a Páscoa – é esta desarrumação completa da nossa imagem de Deus. O Todo Poderoso faz-Se recém-nascido! O Senhor dos Exércitos nasce num estábulo! A Palavra torna-Se um choro de bebé! Das palhinhas de Belém à Cruz do Calvário, a vida de Jesus foi um contínuo desarrumar das nossas mais honestas convicções. “Bem-aventurado aquele que não encontrar em Mim motivo de escândalo,” diz Jesus.

Aos discípulos de João, Jesus não responde com altos tratados de teologia, mas com obras concretas: “Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos veem, os coxos andam…” Se a missão de João foi a de fazer os cegos assumir a sua cegueira, os surdos a sua surdez, os mortos a sua podridão, a de Jesus foi a de lhes restituir a vista, o ouvido, a vida. É o cumprimento da profecia de Isaías: “Então se abrirão os olhos dos cegos e de desimpedirão os ouvidos dos surdos.”

João, dizem os quatro evangelistas, veio preparar o caminho para Jesus. Não podemos acolher a misericórdia divina se antes não nos demos conta da nossa miséria humana, nem ansiaremos pela aurora se não estivemos de vigia durante a noite… João pertence ao Advento, e Jesus, ao Natal. “Esperai com paciência a vinda do Senhor”, diz S. Tiago. Não antecipemos o dom do Natal, não esburaquemos a terra com as mãos à procura dos frutos. É preciso que João venha primeiro… Agora é altura de “fortalecer os nossos corações”, de “fortalecer as mãos fatigadas e robustecer os joelhos vacilantes”. Em breve “reinarão o prazer e o contentamento e acabarão a dor e os gemidos”, e então sim, celebraremos.

Depois de responder aos discípulos de João, Jesus faz uma afirmação paradoxal: “Entre os filhos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Batista. Mas o menor no reino dos Céus é maior do que ele.”

Jesus não compara graus de santidade, pois isso pertence ao mistério de Deus e só no Céu nos será revelado. Jesus diz algo de profundamente revolucionário: diz-nos que veio dividir a História em duas, aC e dC. E que o tempo que agora vivemos é um tempo de graça sem precedentes.

João e todos os profetas foram “grandes” na sua missão – uns mais santos que outros – porque prepararam o caminho para o Messias. O grande Moisés morrera às portas da Terra Prometida, onde nunca chegou a entrar. João irá morrer às portas do Novo Testamento, mas tocará mais de perto o mistério divino, porque terá a graça de batizar Jesus. Como Moisés contemplando a Terra Prometida do cimo do monte Negueb, também João contemplou a obra salvadora de Jesus por detrás das grades da prisão. Nem um, nem outro entraram – nesta vida – no reino que prepararam… Essa passagem – a verdadeira Páscoa – estava reservada ao Messias. A Ele cabia transpor a distância entre os dois Testamentos e inaugurar os Últimos Tempos.

É isso que Jesus afirma agora: por muito que se esforçassem, os profetas não tinham como entrar na verdadeira Terra Prometida, a eternidade. João podia pregar o arrependimento, mas não podia perdoar; podia denunciar o pecado de Herodes, mas não lhe podia oferecer a graça da conversão. Com Jesus, os céus abriram-se. Agora recebemos de graça o que os profetas pressentiram. Agora, basta-nos um pouco de amor, um suspiro de arrependimento, um leve desejo de conversão, e o Paraíso é nosso: “Verão a glória do Senhor, o esplendor do nosso Deus.”

Hora da missa. De joelhos diante do altar, recordo a profecia: “Aí está o vosso Deus. Ele próprio vem salvar-vos!” Sim, Jesus, Tu mesmo vens salvar-me!  Cura os meus sentidos interiores e abre-me à novidade do teu Espírito, para que eu me deixe desarrumar e surpreender por Ti. Ensina-me a exultar de alegria no dom da tua vinda… Vem, Senhor Jesus!

 

 

One Comment

  1. Que reflexão tão interessante e tão inspiradora… Nunca tinha reflectido desta forma essa vertente do “antes” e do “depois”, do “quase” e do “pleno”… tão bonito…
    Muito obrigada Teresa! Beijinhos!

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