Num destes dias, por ocasião do meu aniversário, a minha mãe recordava aqui em casa o dia feliz de há 46 anos atrás, quando me pegou ao colo pela primeira vez. A seu lado, na cama da maternidade, estava uma outra mãe, mãe de seis filhos que nunca chegaram a nascer. Sim, ao lado da minha mãe estava uma mulher a recuperar do seu sexto aborto espontâneo… A minha mãe ainda hoje recorda a sua face e a ternura com que me olhava.
Na vida, e por muito que custe a acreditar, tudo é dom. A fertilidade, como a infertilidade. A saúde, como a doença. A riqueza, como a pobreza. Já leram o Ensinamento Mensal? Já o partilharam na paróquia e já o meditaram na Aldeia de Caná? Já o rezaram em família?
Uma das minhas leituras preferidas é este texto magnífico que partilhei em parte no Ensinamento Mensal e aqui deixo na íntegra, o “testamento espiritual” de Santa Bernardette, a vidente de Lurdes. Bernardette nunca o escreveu, pois nunca aprendeu a escrever, nem sequer seria capaz de assim se exprimir. Mas a partir das suas palavras e dos seus silêncios, das orações entrecortadas que as Irmãs do convento lhe escutavam, e da forma como viveu e morreu, a escritora Marcelle Auclair foi capaz de redigir este texto:
“Pela pobreza de meu pai e pela ruína do moinho, pelas ovelhas doentes, graças vos dou, Senhor. Pelos meninos acudidos, pelas ovelhas que tomáveis conta, graças vos dou, Senhor! Graças, ó meu Deus, pelo Procurador, pelo comissário, pelos policiais, pelas duras palavras de Dom Peyramale. Por aqueles dias em que Vós me aparecestes, ó Virgem Maria. E por aqueles dias em que Vós não aparecestes. Eu não vos saberia agradecer de outra maneira a não ser agradecendo-vos no Paraíso.
Pelas bofetadas recebidas, pelos debiques, pelas injúrias e pelos ultrajes. Por aqueles que me mandaram prender como louca. Pela cólera que tiveram contra mim, por aqueles que me tomaram como interesseira… graças vos dou, Senhora! Pela ortografia que eu jamais consegui aprender, pela memória que eu jamais tive. Pela minha ignorância e por toda a minha estupidez, graças vos dou, Senhora!
Eu vos dou Graças, muitas graças porque se houvesse sobre a terra uma menina mais ignorante e mais estúpida do que eu Vós a teríeis escolhido para aparecer.
Graças por ter me dessedentado de amarguras a esse coração por demais tenro que Vós me destes. Pelos sarcasmos da madre mestra de noviças, por sua voz dura, pelas injustiças, pelas ironias, pelo pão da humilhação, muito obrigado! Graças por ter sido aquela privilegiada de ofensas, de quem as irmãs diziam: ‘Que sorte não ser como Bernadette!’
Graças por ter sido a Bernadette ameaçada de prisão porque tinha visto a Virgem Maria. Olhada pelas pessoas como um animal raro.
Por esse corpo miserável que Vós me destes. Pelas minhas carnes em putrefação, pelos meus ossos com cáries, pelos meus suores, pela minha febre, pelas minhas dores surdas e agudas. Graças ó meu Deus! E por esse anseio que Vós me destes para o deserto da aridez interior. Pela vossa noite e pelos vossos relâmpagos, pelos vossos silêncios, mais uma vez, graças por tudo! Por Vós ausente e presente, graças, ó Jesus”.
Ámen!
Que texto fortíssimo! Graças a Deus pela partilha que dele fizeste.
(P.S. – Vou ler o ensinamento agora.)