Em Caná da Galileia...


Kobe Bryant e o Rei David

Faz hoje uma semana. Ao acordar, o feed do meu telemóvel trouxe-me a notícia da morte do grande basquetebolista americano Kobe Bryant e de uma das suas quatro filhas, num triste acidente de helicóptero, a caminho de mais um jogo de basquetebol da menina.

Cá em casa, somos fãs de basquetebol desde que o nosso David elegeu este desporto como o seu favorito e pediu para entrar num dos clubes da região. Assim, de vez em quando, alguns de nós assistem aos seus jogos, e de vez em quando também, vemos pela internet os Lakers a jogar.

Quando, na segunda-feira passada, fui acordar o David, perguntei-lhe: “David, diz-me um grande nome do NBA, que jogou o seu último jogo oficial em 2016 e…” “Kobe Bryant”, respondeu-me ele de imediato. “Porquê, mãe?” “Porque acaba de morrer”, respondi-lhe. Ficámos em silêncio. São os mistérios da vida e da morte, que nunca iremos entender.

Tenho pensado muito em Kobe Bryant, ao ler as histórias do Santo Rei David. Porque há muito me habituei a ler os acontecimentos da vida e do mundo de Bíblia na mão (já leram o Ensinamento Mensal? Seria tão bom, lá mais para o fim do mês, receber as vossas partilhas, em tom de testemunho, sobre a forma como o vão vivendo…)

A América chorou o seu querido jogador enquanto, nas redes sociais, se multiplicavam as histórias da sua vida. Entre elas, a de que, muitos anos antes, Bryant tinha traído a sua esposa numa noite de loucura; e a de que a sua esposa o perdoara sinceramente, nunca o abandonando e ficando sempre a seu lado, partilhando a sua humilhação enquanto os media esmiuçavam o assunto o mais possível. Depois, a história de que o seu casamento estivera à beira do divórcio anos mais tarde, para de novo recuperar e trazer ao mundo mais uma filha. Finalmente, a forma como Bryant se referia à esposa nos últimos anos, tratando-a por “minha rainha”, “pilar da nossa família”, “meu grande amor” e fazendo-lhe constantes declarações de amor nas redes sociais.

Na noite de sexta-feira, lemos em oração familiar a leitura do Livro de Samuel proposta para a missa do dia. O profeta Natã foi enviado a David, para o fazer tomar consciência do seu terrível pecado: cometera adultério, engravidara Betsabé e mandara matar o seu marido. David arrependeu-se profundamente, aceitou as consequências devastadoras do seu pecado – a morte do filho concebido em adultério – e tornou-se santo.

Até ao fim da vida, como iremos descobrir nas leituras dos próximos dias, David chorará o seu pecado, mas nunca desesperará da sua salvação. Até ao fim da vida, David irá aceitar humildemente todas as desgraças que vierem ao seu encontro como merecidas, e todas as bênçãos como imerecidas e, por isso, gratuitas da parte de Deus.

Também Bryant, dizem-me os artigos que leio, chorou o seu pecado publicamente (os americanos, nisso, são bem mais espontâneos que nós) e, com grande humildade, atribuiu a perda de um filho por gravidez ectópica ao stress que o seu pecado causara na esposa.

Não imagino o que terá a esposa de Bryant sofrido com a sua traição. Posso, contudo, admirar a sua misericórdia, a sua capacidade de perdão que, juntamente com o arrependimento e a conversão do marido, permitiram que o seu matrimónio se santificasse e resistisse vinte belos anos. Como é frágil, a relação conjugal! É tão fácil escorregar, cair e quebrar os laços que nos unem! Mas a misericórdia de Deus é bem mais poderosa que a nossa fraqueza. Se Ele nos perdoa, quem somos nós para negarmos o perdão ao nosso cônjuge?

Penso nas famílias que conheço, e que a traição desmoronou para sempre. Penso em Bryant e na sua esposa, que a traição não conseguiu separar. Penso em David e Betsabé que, impossibilitados de corrigir o seu adultério – Urias estava morto – foram, contudo, abençoados por Deus com outro filho, o grande rei Salomão. E foi da sua descendência que nasceu Jesus. Se a espada nunca mais se afastou da Casa de David, como predisse Natã, Deus também não…

 Consola-me saber que Kobe e Gigi sabiam que eram profundamente amados. Fomos incrivelmente abençoados por tê-los nas nossas vidas. O nosso amor por eles é infinito, o mesmo é dizer, imensurável.

Assim escreveu a viúva de Kobe no Instagram.

Será que todos nós podemos dizer o mesmo sobre o nosso cônjuge, os nossos filhos, os nossos pais? Saberão os nossos familiares mais queridos que os amamos e os consideramos uma bênção divina nas nossas vidas, para lá de todas as feridas que possam ter aberto em nós com o seu pecado? Seremos nós capazes de perdoar profundamente, completamente, como Deus perdoa, para sobre esse perdão, como sobre rocha firme, construir e reconstruir, as vezes que forem precisas, a nossa casa?

De Bíblia numa mão e telemóvel na outra, leio e releio as histórias do Rei David e as histórias do rei do basquetebol, e os olhos enchem-se-me de lágrimas, ao contemplar a maravilha que acontece na nossa vida quando nos abrimos à misericórdia de Deus e quando nos tornamos canal desta misericórdia na vida dos outros.

Kobe e a sua família eram católicos convictos, bem inseridos na sua paróquia. A fé, dizia Kobe, salvara o seu casamento, dera sentido à sua vida e era fonte de felicidade em sua casa. Na manhã da sua morte, Kobe Bryant e a sua menina receberam o seu Senhor na Sagrada Comunhão. Eram sete horas da manhã. Cedo demais para uma manhã de domingo? Para Kobe e a sua família, a missa não se regateava, e nem o basquetebol servia de desculpa para faltar. A Deus, o primeiro lugar! Algumas horas depois, o seu Senhor recebia-os a eles, Kobe e Gigi, para juntos viverem uma eterna comunhão…

 

 

 

 

 

 

 

6 Comments

  1. Bom dia… o perdão continua a ser a mais complexa e sublime benção que Deus nos permite, assim queiramos aceitar o Seu desafio.

  2. Pilar Pereira

    Fazes uma pergunta muito pertinente, Teresa, quando perguntas se os meus familiares sabem que são amados e que são uma benção na minha vida apesar das feridas que me abrem com o seu pecado. É um desafio que fica, o de garantir que o sabem! Mas, para saberem, tenho de o manifestar expressamente, e, para o expressar, tenho de o viver… e para isso, tenho de pedir a Deus que me permita olhar e amar os que me rodeiam como Ele os olha e ama.
    P.S. – De Kobe Bryant, tinha apenas ouvido o nome… e vagamente.
    P.S.2 – Não, ainda não li o ensinamento mensal! Ups!…

  3. Bom dia Teresa,
    Cá por casa também ficámos chocados com a morte de Kobe (ainda que não conecessemos tão bem a sua vida), mas sobretudo com pecado de David, nas leituras do dia…como é possível um grande homem de Deus ter cometido tão grande pecado? Logo a leitura seguinte nos dizia que a espada não se afastaria da casa de David…. podíamos pensar, à nossa maneira humana: cá está a vingança de Deus! Bem feito!! Mas o amor de Deus é bem maior que o mais grave dos nossos pecados, assim tenhamos nós sofrido o arrependimento sincero do coração! E, quantas vezes também precisamos de um profeta, para nós alertar para a gravidade das nossas ações…o profeta está bem perto de nós, na esposa, no filho, no outro que nos corrige, com amor (uma obra de misericórdia essencial nas nossas vidas).
    Que alegria sentir o perdão misericordioso de Deus e o dos que nos acompanham e a quem tantas vezes ofendemos…um perdão que nos dá a força interior para ultrapassar a vergonha do nosso pecado e caminhar rumo à santidade!
    Obrigado Teresa por esta graça de nos ir ensinando a ler o mundo de Bíblia na mão… não sou muito bom aluno, ainda me falta muito para o conseguir fazer. Mas em família e com a vossa ajuda, vou continuar a aprender!
    Que o Senhor vos abençoe sempre, para continuarem a ser exemplo de santidade para todos nós! Bem-hajam!

  4. “Como é frágil, este sacramento!”
    Teresa, queria só dizer que nenhum sacramento é frágil, pois os sacramentos são dom da graça de Deus e a graça de Deus só pode ser forte.
    O que é frágil é a nossa condição humana, sujeita a tentações.
    Se pecamos depois de sermos batizados, não é o sacramento do batismo que é frágil, mas nós próprios. Se um padre peca depois de ser ordenado, não foi o sacramento da ordem que falhou. Se um casal se separa, não falhou o sacramento do matrimónio, mas o ser humano.
    O sacramento é sempre forte e eficaz!
    Penso que a Teresa talvez quisesse dizer que a relação conjugal é frágil, mas dizer que é o sacramento que é frágil pode levar a interpretações erradas.

  5. Desconhecia por completo a história do Kobe Bryant… só conhecia o nome… fiquei a conhecer melhor agora e de uma forma que só tenho a agradecer por me ter deixado a reflectir em questões tão pertinentes como o pecado, a misericórdia, o sentir-se amado, o inesperado, a fragilidade da nossa condição, a vida e a morte…
    Fico a pensar… Em Deus há mistério e mistérios…
    Obrigada Teresa!
    Beijinhos

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