Em Caná da Galileia...


Batismo do Senhor, ano A

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

A HUMILDADE DE JESUS NO JORDÃO

Hoje celebramos a festa do Batismo de Jesus, que encerra o Tempo do Natal e nos lança no Tempo Comum. Não é assim também connosco? Pelo batismo, conclui-se o nosso “natal” – especialmente se o batismo for o mais próximo possível do nascimento, como aconselha a Igreja – e somos lançados no “tempo comum” da vida, a caminho do Céu.

“Naquele tempo, Jesus chegou da Galileia e veio ter com João Batista ao Jordão”. Encontram-se o Precursor e o Salvador, o Antigo e o Novo Testamentos, a promessa e a sua realização. Como outrora no Mar dos Juncos entre o Egito e o deserto, como outrora naquele mesmo Jordão entre o deserto e a Terra Prometida, também agora a passagem entre um tempo e o outro se faz pela água.

Recordo o batismo de cada um dos meus filhos, a alegria intensa que me invadiu de cada vez. Recordo a água sobre as suas cabecinhas e as palavras salvadoras: “Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo…” Os meus bebés, como eu também muitos anos antes deles, foram salvos em nome da Trindade, essa Trindade que Se manifestara no Jordão: nesse dia longínquo que os Evangelhos guardaram, Jesus saiu da água, a voz do Pai atravessou os céus e o Espírito Santo desceu como uma pomba, pairando sobre Jesus como pairara sobre as águas no início da Criação – e das Escrituras (Gn 1, 2).

Teriam as multidões escutado a voz do Pai e contemplado o Espírito? Ou teria essa graça sido concedida apenas a João? Quantos dos pecadores ali presentes se teriam dado conta de que Jesus era verdadeiramente o Messias?

Penso nos batismos que acontecem na minha paróquia, na missa onde participo. Quantos pais e quantos cristãos de entre os que assistem na assembleia saberão realmente que, naquele momento único da vida daquela criança, o Espírito Santo pousa sobre ela e a voz do Pai rasga os céus dizendo, “Este é o meu filho muito amado”?

Dizia alguém que Deus não tem netos, só filhos. Pelo batismo, tornamo-nos irmãos uns dos outros, os pais de seus filhos e os filhos de seus pais, o paroquiano idoso do recém-nascido que, a partir de agora, irá perturbar as suas orações com o seu choro. Pelo batismo, os meus filhos têm o mesmo direito que eu a frequentar a casa do Pai. O que significa que nenhum pai tem o direito de reter o filho em casa ao domingo de manhã, “apagando a torcida” que eles próprios levaram a acender. Mas também significa que nenhum paroquiano tem o direito de se mostrar incomodado na igreja – “quebrando a cana fendida” com um olhar de reprovação – por causa de uma criança traquina. Diante de Deus, todos os batizados são irmãos por igual. Por isso, o Papa Francisco recorda aos fiéis, de cada vez que, nesta mesma festa, batiza crianças na Capela Sistina: “Hoje canta o coro, mas o coro mais belo é o das crianças, que choram ou fazem barulho!”

“Eu é que preciso de ser batizado por Ti e Tu vens ter comigo?” Pergunta João Batista a Jesus, confuso com a humildade do Salvador. Mas Deus é mesmo assim! O Altíssimo compraz-Se em Se tornar o Baixíssimo, confundindo-nos com a sua humildade. Alguma coisa de verdadeiramente maravilhoso há na humildade, para Deus ter tanto gosto nela!

Esta experiência que João fez, de admiração profunda diante da humildade de Deus, é por certo a experiência que cada sacerdote faz diariamente, ao consagrar o pão e o vinho e se dar conta da submissão de Deus, que obedece à sua palavra sem a mais leve hesitação; e a experiência que os pais cristãos fazem, no final da cerimónia do batismo, se lhes for dado perceber que estão a levar para casa o próprio filho de Deus, que lhes deverá ser submisso como em Nazaré… Quantos milagres diários para quem não está distraído!

A humildade de Jesus no Jordão não foi mais do que a continuação da humildade do Presépio de Belém, e que culminará na humilhação completa no Calvário. Muitos séculos antes, Isaías anunciara que o ungido do Senhor “não gritará, não levantará a voz, nem se fará ouvir nas praças…” Mas Jesus fez-Se ouvir nas praças e terá levantado bem a sua voz, projetando-a sobre a planície sem microfone! Isaías falava de outra coisa. Falava dessa voz que soa baixinho no mais profundo do nosso ser, essa voz que “não desfalecerá nem desistirá enquanto” não nos alcançar e que só conseguimos escutar quando fazemos silêncio e nos afastamos das praças. Então escutamos de novo a voz que rasgou os céus no dia santíssimo em que fomos batizados: “Este é o meu filho muito amado!”

Hora da missa. Foi há muitos anos que Tu me ungiste com o teu Espírito e me disseste, “tu és o meu filho muito amado!” Com o tempo, fui abafando a tua voz no meio do meu barulho. Mas sei bem que, se aqui voltar à tua Casa, domingo após domingo, não permitirás que a “cana fendida” que sou quebre, mesmo que vergue muito, nem deixarás apagar a “torcida que ainda fumega”, mesmo que às vezes o lume que em mim acendeste quase, quase se extinga… Jesus, bendito sejas por teres feito de mim filho de Deus e teu irmão! E que, como Tu, também eu “passe fazendo o bem”! Ámen.

7 Comments

  1. Esta refexão lembrou-me da maravilha e do mistério do batismo.
    Obrigada, Teresa.

  2. “Quantos milagres diários para quem não está distraído!” – um Deus de delicadezas, que não se impõe mas que dá tudo e dá-Se todo. Que maravilha a vida vivida com os olhos e o coração n’Ele. As luzes do mundo distraem-nos do essencial… é uma luta!

    Estamos quase de malas feitas rumo a Mogofores!!! 😎 Ahah até já*

  3. Paula Almeida

    Esta semana o nosso pároco (fui à missa há pouco) deu-nos um trabalho de casa esta semana: durante o dia rezarmos “eu sou o Teu filho muito amado”…
    Esquecemo-nos tanto disso….
    Eu pelo menos….

  4. Teresa, como é que tu fazes isto????
    Ja há alguns dias que não vinha ao site, e hoje vim cá sem motivo especial. Vim triste por causa do que (mais uma vez) nos aconteceu ontem na missa dominical das 11 h da nossa paróquia: a minha filha mais pequena, de quase 2 anos, é muito irrequieta e barulhenta na missa (como as famílias de Caná iveram oportunidade de constatar no retiro de Fátima). Já várias vezes no passado fui abordada por pessoas idosas, que se queixaram – de modo muito desagradável – pela perturbação causada.
    Por causa disso há vários meses que comecei a ficar no fundo da igreja, para perturbar o menos possível a missa.
    As pessoas parecem não se aperceberem de que a pessoa mais incomodada sou eu! Acham que eu nao desejaria ter uma filha silenciosa e sossegada???? Eu bem a mando calar, tento entretê-la com comida, chucha e brinquedos (geralmente funciona) para ela não fazer tanto barulho. Querem que lhe tape a boca e a amarre?

    Ontem dois velhos, que também estavam sentados no fundo da igreja, apesar de haver imensos lugares vagos mais à frente, foram super desagradáveis: um virou-se para trás (a minha filha estava atrás dele) e fez-lhe um “SHHHHHHHHHH!!!!!!!”… como se a miúda fosse obedecer…
    O outro, durante a consagração, estando ajoelhado, virou-se para minha pequena (que, entre outras coisas, ia cantando “Aleluia, aleluia, aleluia”) e exclamou zangado “Meu Deus!”. Nesse momento só me apeteceu dizer “Deus não é (só) seu, também é meu e da minha filha”.
    Saltaram-me as lágrimas aos olhos e só me apetecia gritar “Se não querem que as crianças venham perturbar a missa, depois não se admirem de não haverem vocações, acólitos, primeiras comunhoes! Se não querem ser incomodados, vão para os bancos da frente! Porque vêm à missa das 11 h, que é a missa das famílias? Podem vir à missa das 17 h dos sábados, onde há com certeza muito menos crianças? “.
    Saí da igeja muito triste e a pensar “Que argumentos usaria a Teresa Power nestas situações?”.
    E venho aqui ao site e a resposta está cá, à minha espera:

    “Pelo batismo, tornamo-nos irmãos uns dos outros, os pais de seus filhos e os filhos de seus pais, o paroquiano idoso do recém-nascido que, a partir de agora, irá perturbar as suas orações com o seu choro. Pelo batismo, os meus filhos têm o mesmo direito que eu a frequentar a casa do Pai. O que significa que nenhum pai tem o direito de reter o filho em casa ao domingo de manhã, “apagando a torcida” que eles próprios levaram a acender. Mas também significa que nenhum paroquiano tem o direito de se mostrar incomodado na igreja – “quebrando a cana fendida” com um olhar de reprovação – por causa de uma criança traquina. Diante de Deus, todos os batizados são irmãos por igual. ”

    Obrigada!!!!!!

    • Coragem, Teresa! A batalha é longa, sim! Ainda há muito disso por aí e por aqui. Mas não vamos desistir, não vamos sair da igreja porque alguém se sente incomodado. Porque não abordas o teu pároco e partilhas esta tua inquietação? Talvez ele possa usar a homilia para expressar esta certeza de que a igreja é a casa de todos! Olha, o Papa Francisco ontem batizou 32 crianças na Capela Sistina e voltou a fazer o mesmo discurso: “Deixem as crianças à vontade, deixem-nas chorar sem se atrapalharem, amamentem-nas e cuidem delas como acharem melhor!”. Podes pegar no artigo que o Vaticano publicou e mostrar ao teu pároco, visto ser tão atual 😉

    • Catarina Ramos Tomás

      Os meus filhos, nunca foram de fazer muito barulho, mas mexem-se muito. Principalmente no sentido do altar… O meu pai é acólito, eu sou leitora e salmista e faço muitas vezes o caminho entre o altar e o meu lugar. Desde que aprenderam a deslocar-se que não há missa sem um passeio ao altar. Ao princípio a mais incomodada era eu, porque as pessoas fixavam a atenção naquilo que eles estavam a fazer… O altar ainda por cima tem escadas e várias vezes se ouviu vindo da assembleia um “aí” com medo que eles caíssem. Pois nunca caíram e hoje passados 11 anos desde o primeiro, já toda a comunidade se habituou… O mais pequeno tem lugar cativo entre os acólitos, logo ao lado do nosso pároco… Teresa, compreendo perfeitamente o que sente, mas é tudo uma questão de hábito. É preciso nós não desistirmos, nem desanimamos (muito)
      E no retiro ninguém se apercebeu do barulho… Eram tantos a fazer barulho…

    • Lamentável! Ainda estamos neste ponto… incrível.
      É uma coisa bonita quando uma criança chora na igreja, é uma bela oração. Façam de modo que se sintam bem e sigamos adiante. Não se esqueçam: as crianças levam o Espírito Santo dentro de si. Diz o Papa Francisco.
      Este domingo tinha um menino ao meu lado a fazer uma verdadeira batalha com dinossauros debaixo de um dos altares laterais…e que bem esteve a missa toda!

      Bem…coragem…o olhar de Deus é bem mais belo! Não desista!!

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