Testemunho da Isabel Marantes
A propósito de um post recente que a Teresa escreveu com o título: “Amar os inimigos”, fiquei a pensar:
Mas porque é que é tão difícil perdoar, mesmo os nossos amigos ou mesmo aqueles que vivem dentro da nossa própria casa?
Às vezes até desculpar aquele que não fez de propósito, mas causou-nos danos, não é fácil ou, pelo menos, não o conseguimos fazer imediatamente…quanto mais amarmos os nossos inimigos…
Penso que a grande
resistência ao perdão começa no nosso orgulho, no
acharmos que temos sempre razão e que conhecemos bem todas as circunstâncias e
intenções daquele que nos ofendeu, até ao ponto de muitas vezes exagerarmos o
tamanho da ofensa.
Outras vezes achamos difícil perdoar, porque
consideramos ser um sinal de fraqueza e porque ao perdoar mostramos que
não estamos a valorizar o que aconteceu: “Se eu lhe perdoar, vai achar que me
pode fazer isto as vezes que quiser”… Outras vezes também só aceitamos perdoar
perante condições: se o outro reconhece a sua culpa e se torna pequeno, se
aprendeu a lição…
Antes de falarmos sobre perdão vamos só distinguir o que é desculpar e o que é perdoar.
Se cá em casa o David, sem querer, deixar cair a sua limonada na mesa e com isso molhar as folhas todas do trabalho de casa da Leonor (episódio recente!), o que aconteceu foi um acidente, foi algo involuntário. O David pediu desculpa.
Des-culpar o David, neste caso, é reconhecer que ele não foi culpado, que não houve intencionalidade. Desculpar pode, assim, ser considerado um acto de justiça, porque o David merece ser reconhecido como não culpado, ainda que a Leonor tenha de voltar a escrever todo o seu trabalho de casa novamente!
Por outro lado, se a Leonor, em vez de desculpar o irmão, se tivesse levantado e começasse a ofender o irmão pela falta cometida, então a Leonor teria de pedir perdão, porque escolheu ofender o irmão.
Assim, o perdão é um acto que ultrapassa a estrita justiça humana; é um acto de misericórdia… mas penso que o perdão pode ser até considerado verdadeira justiça, tendo em conta tudo o que Deus nos perdoa a nós…
Não há dúvida de que é mais fácil desculpar do que perdoar…
Mas, então, o que é perdoar?
Um pequeno livro intitulado: “Do ressentimento ao perdão”, de Francisco Ugarte (Editora Quadrante), define muito bem o que é perdoar.
O autor explica que perdoar não é um sentimento, mas um acto da vontade: “Perdoar é cancelar a dívida moral que o outro tem para comigo quando me ofendeu e, portanto, eu liberto-o como devedor”.
Perdoar é, dentro do que for possível, tentar restabelecer a relação que tinha com quem me ofendeu.
Digo dentro do que for possível, porque o perdão não exclui a prudência. Isto é, quando alguém me causa um dano e mantém a intenção de continuar a fazê-lo, é perfeitamente válido que eu acompanhe o perdão das medidas de prudência necessárias para evitar que o outro continue a realizar o seu propósito.
Assim, se um amigo que nos ofendeu mantiver a disposição de continuar a ofender, a relação de amizade (que exige reciprocidade) não poderá ser reconstruída, por mais que o ofendido perdoe.
Da mesma forma, se alguém entra em minha casa e rouba, eu posso perdoá-lo, mas evitarei que volte a entrar em minha casa, pelo menos enquanto não me aperceber que as suas intenções mudaram realmente.
O que é importante perceber é que com estas medidas de prudência não estamos a deixar de querer o bem do outro.
Aliás, como refere o autor: “algumas vezes, cancelar o castigo ou as dívidas materiais não favoreceria o bem do ofensor”.
Perdoar também não significa conseguir esquecer, mas implica querer esquecer.
Assim, ainda que não consiga esquecer, posso fazer com que essas lembranças não determinem a minha forma de tratar quem me ofendeu. Assim, não posso sem justificação objectiva, desconfiar eternamente das suas intenções e pensar que não vai mudar. Não posso desprezá-lo. Não posso desejar que ele sofra o mesmo que eu sofri.
Mas não, não é fácil…
O Papa Francisco também reconhece que é difícil perdoar, mas mostra que esse é o único caminho para vivermos verdadeiramente felizes, como escreveu na sua mensagem para uma das Jornadas Mundiais da Juventude:
Como é difícil muitas vezes perdoar! E, no entanto, o perdão é o instrumento colocado nas nossas frágeis mãos para alcançar a serenidade do coração. Deixar cair o rancor, a raiva, a violência e a vingança são condições necessárias para viver felizes.
De facto, em última análise, quando escolho o ressentimento em vez do perdão perante uma falta, quem fica com o verdadeiro mal dentro do coração sou eu, embora os meus pensamentos se dirijam contra uma terceira pessoa.
Como diz no livro que citei anteriormente “o ressentimento é um veneno que eu tomo esperando que faça mal ao outro”!
Mergulhemos então, nesta Quaresma, na misericórdia de Deus, essa misericórdia que sempre nos perdoa. A Teresa já disponibilizou um exame de consciência que nos pode ajudar a fazermos uma boa confissão!
Pois não é verdade que quando me sinto perdoado, é muito mais fácil para mim perdoar?
Gostei muito desta reflexão. Obrigada!
Belo texto. Obrigada pela partilha neste início de semana santa. Mesmo ao jeito de Jesus.
Bjs